Linda Pastan – Às vezes

Às vezes

da periferia
da família
onde me sento observando
meus filhos e
os filhos dos meus filhos
em toda sua brilhante
cacofonia,

pareço deixar
meu corpo –
efígie rechonchuda
de uma mulher, ereta
em uma cadeira –
e, enquanto flutuo
voluntariamente para longe

em direção ao frio
silêncio do meu próprio futuro,
suas vozes se separam
em sílabas
de estranhos, para quem
com esta mão real
eu aceno um adeus.

Trad.: Nelson Santander

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Sometimes

from the periphery
of the family
where I sit watching
my children and
my children’s children
in all their bright
cacophony,

I seem to leave
my body–
plump effigy
of a woman, upright
on a chair–
and as I float
willingly away

toward the chill
silence of my own future,
their voices break
into the syllables
of strangers, to whom
with this real hand
I wave goodbye.

Linda Pastan – O que mais tememos

O que mais tememos

                     para R após o acidente

Fomos salvos uma vez mais
do que mais tememos.
Lembremo-nos deste momento.
Esqueçamo-lo se pudermos.
Agora mesmo, uma espécie de pó dourado
assenta-se sobre tudo:
na árvore do lado de fora,
embora não seja outono;
no açucareiro trincado,
tão cuidadosamente remendado outrora.
Essa luz não é redenção,
é apenas o sedimento do sol da tarde
em um dia comum,
diferente de qualquer outro.

Trad.: Nelson Santander

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What We Fear Most

                                     for R after the accident

We have been saved one more time
from what we fear most.
Let us remember this moment.
Let us forget it if we can.
Just now a kind of golden dust
settles over everything:
the tree outside the window,
though it is not fall;
the cracked sugar bowl,
so carefully mended once.
This light is not redemption,
just the silt of afternoon sun
on an ordinary day,
unlike any other.

Linda Pastan – Em um país do norte

Ontem, em um país do norte,
minha última tia morreu, levando
com ela para o silêncio meu nome de solteira,
e não há mais ninguém
que a conheceu aqui
a quem eu pudesse contar.

Estou cansada da litania
dos meses, setembro… outubro…
Estou cansada de como as estações
continuam mudando, imitando
as estações da carne
que são reais e finitas.

O mundo nos fere
com sua beleza, como se soubesse
que em breve teríamos que deixá-lo.
Ela deve ter observado
o profundo lago canadense que amava
se cobrir de gelo precoce,

as derradeiras folhas
da bétula tremendo
como semimínimas, vibrato fora
da janela de seu quarto de doente,
até que novembro chegou
com seus ventos e as levou.

Trad.: Nelson Santander

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In a Northern Country

Yesterday in a northern country
my last aunt died, taking
my maiden name with her into silence,
and there is no one left
who knew her here
for me to tell.

I am tired of the litany
of months, September… October…
I am tired of the way the seasons
keep changing, mimicking
the seasons of the flesh
which are real and finite.

The world wounds us
with its beauty, as if it knew
we had to leave it soon.
She must have watched
the deep Canadian lake she loved
sheathe itself in early ice,

the few last leaves
on the birch tree tremble
like half notes, vibrato
outside her sickroom window
until November came
with its winds and took them.

Linda Pastan – Bicicleta ergométrica

Você pedala furiosamente
rumo a um futuro que tenta
a todo custo prolongar
com este exercício,
embora a paisagem
que por aqui passa seja o tempo
passando, com suas listas
de coisas não feitas
ou mal feitas,
todo esse esforço,
a feroz monotonia
desse passeio, parece
muito com a própria vida –
vigorosamente indo
a lugar nenhum,
redimida em parte
pela imaginação, seu transe
de rios e árvores,
suas estradas sombreadas se desenrolando
além dos seus olhos fechados,
ou mesmo na tela da TV
que às vezes você assiste
enquanto pedala, milha
após milha de drama
se desdobrando enquanto você pedala
e pedala, progredindo
daqui para aqui,
a teóricas vinte
milhas por hora, suas pernas
começando a latejar como se
o corpo se comunicasse
em um código de dor, dizendo
não pense no futuro,
você está aqui
agora, viva.

Trad.: Nelson Santander

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Stationary Bicycle

You pedal furiously
into a future you’re trying
hard to prolong
by this exercise,
though the landscape
that rolls by here is time
passing, with its lists
of things undone
or not done properly,
all this effort,
the fierce monotony
of this ride feels
much like life itself –
going nowhere
strenuously,
redeemed in part
by the imagination, its trance
of rivers and trees,
its shady roads unwinding
just beyond your closed eyes,
or even on the tv screen
you sometimes watch
as you ride, mile
after mile of drama
unfolding while you pump
and pump, proceeding
from here to here
at twenty theoretical
miles per hour, your legs
beginning to throb as if
the body communicates
in a code of pain, saying
never mind the future,
you’re here
right now, alive.

Linda Pastan – Narciso aos 60

Se o amor não o tivesse tornado desastrado,
se ele não tivesse caído para frente,
se nunca tivesse se afogado
na própria perfeição,

o que ele teria pensado
sobre seu rosto envelhecido
à medida que mudava, ano após ano,
estação após estação?

Na antiga conspiração
entre o olho
e seu reflexo, o amor projeta
uma sombra primordial.

Talvez ele culpasse
a superfície enrugada do lago
pelo que via
ou pensasse que as manchas

em sua face outrora lisa
eram apenas pequenos peixes
logo abaixo da pele letal
da água.

Trad.: Nelson Santander

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Narcissus at 60

If love hadn’t made him clumsy,
if he hadn’t fallen forward,
had never drowned
in his own perfection,

what would he have thought
about his aging face
as it altered, year after year
season by season?

In the old conspiracy
between the eye
and its reflection, love casts
a primal shadow.

Perhaps he would blame
the wrinkling surface of the pool
for what he saw
or think the blemishes

on his once smooth cheek
were simply small fish
just beneath the lethal skin
of the water.

Linda Pastan – 1932–

Outro dia vi meu nome impresso
com 1932 e um espaço em branco depois
e soube que, agora mesmo, uma margem gramada
já espera pelo meu túmulo. E que em algum lugar,

já existe uma lápide de mármore cinza
na qual o número final será gravado —
como se a própria pedra estivesse de alguma forma faminta
por definição. Quando eu namorava firme,

nos anos de colégio, era o nome do meu namorado
que eu experimentava, ouvindo como se encaixava com o meu;
depois, nomes de estrelas de cinema em algum sucesso.
Meu marido era anônimo como chuva.

Há um número por aí, par ou ímpar,
que se tornará familiar para meus filhos
e minha filha (Eles são os vivos em quem
penso agora: Peter, Rachel, Stephen).

Eu o imagino: quatro algarismos enfileirados
5 ou 7, 6 ou 2 ou 9:
um ponto final; silêncio; um verso conclusivo;
um martelo prestes… a desferir seu golpe.

Trad.: Nelson Santander

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1932–

I saw my name in print the other day
with 1932 and then a blank
and knew that even now some grassy bank
just waited for my grave. And somewhere a grey

slab of marble existed already
on which the final number would be carved—
as if the stone itself were somehow starved
for definition. When I went steady

in high school years ago, my boyfriend’s name
was what I tried out, hearing how it fit
with mine; then names of film stars in some hit.
My husband was anonymous as rain.

There is a number out there, odd or even
that will become familiar to my sons
and daughter. (They are the living ones
I think of now: Peter, Rachel, Stephen.)

I picture it, four integers in a row
5 or 7, 6 or 2 or 9:
a period; silence; an end-stopped line;
a hammer poised … delivering its blow.

Linda Pastan – Primos

Nos encontramos em funerais
a cada poucos anos — mais uma estrela
na constelação da nossa família
que se extingue — e mesmo sob aquela luz
tênue, parecemos completamente
diferentes, completamente os mesmos.
“O que tem feito ultimamente?”
perguntamos uns aos outros, “Como
tem passado?” Nessas horas,
o passado é mais palpável
do que nossos filhos esperando
em casa ou as esposas e os maridos nos
puxando pelas mangas. “Lembra…?”
perguntamos, “Lembra da vez que…?
E o riso é tão doloroso
como se nossas costelas tivessem fissuras
secretas nelas.
Nossas infâncias permanecem
apenas nos contornos pontiagudos
de nossos narizes, no formato
de nossos olhos, na forma como nossos genes chamam
uns aos outros nas notas agudas
que só os parentes podem ouvir.
Quanto da memória
é imaginação? E se a perda
é uma ausência, por que fica
tão intensa? Estas são as perguntas
que queremos fazer quando indagamos: “Onde
você está morando agora?” ou
“Quantos anos tem o seu caçula?”
Às vezes, sinto a tristeza
dessas ocasiões crescer
em mim até me tornar
um instrumento em que a linguagem se eleva
como música. Mas tudo
que os outros conseguem ouvir
é minha voz estrangulada dizendo
“Adeus…”, dizendo
“Mantenha contato…”
com o tipo de som
que uma gaita de fole faz com seu som arfante
e até mesmo com sua marcha fúnebre.

Trad.: Nelson Santander

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Cousins

We meet at funerals
every few years—another star
in the constellation of our family
put out—and even in that failing
light, we look completely
different, completely the same.
“What are you doing now?”
we ask each other, “How
have you been?” At these times
the past is more palpable
than our children waiting
at home or the wives and husbands tugging
at our sleeves. “Remember…?”
we ask, “Remember the time…?
And laughter is as painful
as if our ribs had secret
cracks in them.
Our childhoods remain
only in the sharp bones
of our noses, the shape
of our eyes, the way our genes call out
to each other in the high-pitched notes
that only kin can hear.
How much of memory
is imagination? And if loss
is an absence, why does it grow
so heavy? These are the questions
we mean when we ask: “Where
are you living now?” or
“How old is your youngest?”
Sometimes I feel the grief
of these occasions swell
in me until I become
an instrument in which language rises
like music. But all
that the others can hear
is my strangled voice calling
“Goodbye…” calling
“Keep in touch…”
with the kind of sound
a bagpipe makes, its bellow heaving
and even its marching music funereal.

Linda Pastan – Uma velha canção

Como são leais nossos demônios de infância,
envelhecendo conosco na mesma casa
como criados que temperam a carne
com amargura, como carcereiros
que chacoalham as chaves
que nos trancam ou nos libertam.

Embora sigamos com nossas vidas,
embora os anos se acumulem
como neve contra a porta,
ainda assim, nossos demônios nos encaram
das profundezas dos espelhos
ou dos novos rostos do outro lado da mesa.

E não importa qual voz escolham,
que língua falem,
a mensagem é sempre a mesma.
Eles perguntam: “Por que você não consegue
fazer nada certo?” Eles dizem:
“Simplesmente não te amamos mais.”

Trad.: Nelson Santander

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An Old Song

How loyal our childhood demons are,
growing old with us in the same house
like servants who season the meat
with bitterness, like jailers
who rattle the keys
that lock us in or lock us out.

Though we go on with our lives,
though the years pile up
like snow against the door,
still our demons stare at us
from the depths of mirrors
or from the new faces across a table.

And no matter what voice they choose,
what language they speak,
the message is always the same.
They ask “Why can’t you do
anything right?” They say
“We just don’t love you anymore.”

Linda Pastan – Metrô

Às vezes à noite
me ponho para dormir
com os nomes
das estações de metrô
entre a 125th
e Fordham Road: 134th…
145th… 161st…
O túnel se desenrola
para trás
sob ruas em ruínas
rumo a um quarto
onde minha mãe se senta
fazendo a mediação
entre minha necessidade
e o silêncio
do meu pai.
A infância é um frio
conforto.
O metrô ruge
e sacode – a besta
da memória – sobre
seus trilhos traiçoeiros:
167th… 174th…
e eu me agarro
ao ciclo
de números
como se tivesse um compromisso
a cumprir,
como se minha mãe
e meu pai não estivessem
em outro lugar
no subsolo,
já adormecidos.

Trad.: Nelson Santander

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Subway

Sometimes at night
I put myself
to sleep
with the names
of subway stops
between 125th
and Fordham Road: 134th…
145th… 161st…
The tunnel unwinds
backwards
under ruined streets
towards a room
where my mother sits
and mediates
between my need
and my father’s
silence.
Childhood is cold
comfort.
The subway roars
and shakes – memory’s
beast – over
its slippery tracks:
167th… 174th…
and I cling
to the loop
of numbers
as if I had an appointment
to keep,
as if my mother
and father were not
somewhere else
underground,
already asleep.

Linda Pastan – Revelação

No cemitério
a uma milha
de onde morávamos,
minhas tias e minha mãe
meu pai e meus tios repousam
em duas longas fileiras,
quase como costumavam
se sentar ao redor
da mesa comprida de tábuas
nos jantares de família.
E caminhando ao lado
dos túmulos hoje, descendo
um caminho reto
e subindo o próximo,
não me sinto exatamente triste,
apenas um pouco excluída,
como se eles tivessem escondido
de mim o tipo
de segredo de adulto
que costumavam compartilhar
naquela época, algo que ainda
não estou totalmente pronta
para aprender.

Trad.: Nelson Santander

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Unveiling

In the cemetery
a mile away
from where we used to live,
my aunts and mother
my father and uncles lie
in two long rows,
almost the way
they used to sit around
the long planked table
at family dinners.
And walking beside
the graves today, down
one straight path
and up the next,
I don’t feel sad, exactly,
just left out a bit,
as if they kept
from me the kind
of grown-up secret
they used to share
back then, something
I’m not quite ready yet
to learn.