Joan Margarit – A moça do semáforo

Tens a mesma idade que eu tinha
quando comecei a sonhar em encontrar-te.
Ignorava então, assim como tu ignoras,
que o amor se transforma na arma carregada
de solidão e melancolia
que aponta agora para ti em meus olhos.
Tu és a moça que busquei
durante tanto tempo, quando ainda não existias.
E eu o homem a quem, um dia,
desejarás que oriente teus passos.
Mas estarei tão distante de ti então
quanto estás agora de mim neste semáforo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 14/10/2018

Joan Margarit – La muchacha del semáforo

Tienes la misma edad que yo tenía
cuando empecé a soñar con encontrarte.
Entonces ignoraba, igual que tú lo ignoras,
que el amor se transforma en el arma cargada
de soledad y de melancolía
que ahora está apuntándote en mis ojos.
Tú eres la muchacha que busqué
durante tanto tiempo cuando aún no existías.
Y yo el hombre hacia quien querrás
alguna vez encaminar tus pasos.
Pero estaré tan lejos de ti entonces
como lo estás ahora de mí en este semáforo.

Joan Margarit – Era Rubra

     A Àlex Susanna

Levaste tanto tempo para aprender
que chegas tarde ao grande amor:
nunca viveste uma era de ouro.
As rosas de Ronsard*
jamais perfumarão teu olhar,
nenhum outono desfolhará
morosas pétalas nos braços de ninguém.
Com negligência ocultas os espelhos
como se fazia nas casas
onde havia um defunto.
Não voltam as mulheres com as quais
trocaste anos de solidão
por um fugaz momento de ternura.
Tão ardente é a vida no outono
que nas horas de angústia não poderás
amar nem a mulher que já perdeste.

Trad.: Nelson Santander

* N. do T.: o verso ‘As rosas de Ronsard’ pode ser interpretado de duas maneiras distintas. Por um lado, o poeta pode estar se referindo à espécie de rosa conhecida como ‘Rosa Pierre de Ronsard’, uma rosa trepadeira famosa por suas flores exuberantes. Por outro lado, pode estar aludindo ao famoso poema “Quand vous serez bien vieille” (Quando você estiver bem velha, em livre tradução), do poeta renascentista francês Pierre de Ronsard, um um exemplo clássico do tema do ‘carpe diem’. Ambas interpretações são válidas, inclusive concomitantemente, pois o poeta parece estar evocando tanto a beleza transitória das rosas como um símbolo do amor e da juventude efêmeros, quanto a reflexão sobre o tempo e a impossibilidade de alcançar uma era de ouro. A menção às rosas de Ronsard no poema de Margarit traz uma camada adicional de significado, ampliando o tema da fugacidade e da perda no poema.

REPUBLICAÇÃO com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 30/09/2018

Edad roja

     A Àlex Susanna

Tanto tiempo has tardado en aprender
que llegas tarde al gran amor:
Que nunca habrás vivido una edad de oro.
Las rosas de Ronsard
nunca serán perfume en tu mirada,
ningún otoño habrá de deshojar,
en los brazos de nadie, lentos pétalos.
Con el olvido tapas los espejos
igual que acostumbraban en las casas
donde había un difunto.
No vuelven las mujeres con las cuales
cambiabas años de tu soledad
por un fugaz momento de ternura.
Tan ardiente es la vida en el otoño,
que en las horas de angustia no podrás
amar ni a la mujer que ya has perdido.

Joan Margarit – A partida

Definitivamente, este é o meu Outono,
um tempo de alianças impossíveis,
a era rubra de todos os perigos
para homens maduros e mulheres solitárias.
A era do adultério e da desmemória
sem nenhuma esperança, a era do gelo,
a partida final contra mim mesmo.
Permaneço à mesa, sem esperar pela sorte,
já não há chances neste jogo.
É o tempo de jogar paciência
com as cartas marcadas da vida.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO com alterações na tradução. Poema publicado na página originalmente em 29/09/2018

La partida

Definitivamente se trata de mi otoño,
un tiempo de alianzas imposibles,
la edad roja de todos los peligros
para hombres maduros y chicas solitarias.
La edad del adulterio y el olvido
sin ninguna esperanza, la edad fría,
la partida final contra uno mismo.
Permanezco en la mesa, sin esperar la suerte,
ya no cabe el azar en este juego.
Es el tiempo de hacer un solitario
con las cartas marcadas de la vida.

Joan Margarit – Ulisses nas águas de Ítaca

Estás chegando à ilha e agora sabes
o que é o acaso. Viver, o que significa.
Teu arco será pó em uma prateleira.
Pó será o tear e a peça que ele tece.
Os pretendentes, que no pátio
acamparam,
são sombras dos sonhos de Penélope.
Estás chegando à ilha enquanto o mar
arrebenta nas rochas da costa,
como faz o tempo com a Odisseia.
Ninguém jamais teceu a tua ausência
nem, sem rumor, desfez o esquecimento.
Por mais que, por vezes, a razão o ignore,
Penélope é a sombra do teu sonho.
Estás chegando à ilha: as gaivotas
cobrem a praia e não se moverão
quando, ao passares, não deixares pegada alguma,
pois não exististe: és apenas uma
lenda.
Talvez um remoto Ulisses tenha morrido em Troia,
e talvez uma mulher o tenha chorado,
mas no sonho de um poeta cego
continuas a te salvar:
na fronte de Homero, eterna
e rigorosa, cada vez que o dia desponta,
um solitário Ulisses desembarca.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 07/09/2018

Ulises en Aguas de Ítaca

Vas llegando a la isla y ahora sabes
qué es el azar. Vivir, qué significa.
Tu arco será polvo en un estante.
Polvo será el telar y la pieza que teje.
Los pretendientes, que en el patio
acampan,
son sombras de los sueños de Penélope.
Vas llegando a la isla mientras rompe
el mar contra las rocas de la costa,
como hace el tiempo contra la Odisea.
Nadie ha tejido alguna vez tu ausencia
ni, sin rumores, destejió el olvido.
Por más que, a veces, la razón lo ignore,
Penélope es la sombra de tu sueño.
Vas llegando a la isla: las gaviotas
cubren la playa y no se moverán
cuando al pasar no dejes huella alguna,
porque no has existido: tan sólo eres
leyenda.
Quizá un lejano Ulises murió en Troya,
y quizá lo lloró alguna mujer,
pero en el sueño de un poeta ciego
continúas salvándote:
en la frente de Homero, riguroso
y eterno, cada vez que rompe el día,
un solitario Ulises desembarca.

Joan Margarit – Espaço e Tempo

E de repente a casa é grande demais.
Tua mãe e eu esvaziamos teus armários
e percorremos mesas e prateleiras,
de retrato em retrato, teus sorrisos.
À noite, os espelhos, sob a luz elétrica,
revelam com mais nitidez a tua ausência.
Os móveis estão agora mais sombrios.
Pela escada desce a balaustrada acolhedora
que guarda ainda a lembrança de tua pequena mão,
e os degraus que ainda sentem
o roçar dos teus passos. E a casa,
grande e vazia agora,
olha e contempla seu próprio silêncio.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 21/08/2018

Espacio y Tiempo

Y de pronto la casa es demasiado grande.
Tu madre y yo vaciamos tus armarios
y seguimos por mesas y anaqueles,
de retrato en retrato, tus sonrisas.
De noche los espejos, bajo la luz eléctrica,
muestran con más relieve tu vacío.
Los muebles son ahora más oscuros.
Por la escalera bajan la cálida baranda,
que aún recuerda tu pequeña mano,
y los peldaños que aún sienten
el roce de tus pasos. Y la casa,
grande y vacía ahora,
a su propio silencio mira y mira.

Joan Margarit – Despedida

Retirei tapetes e cortinas,
todas as mesas onde há tempos
não como nem escrevo.
Removi os quadros e pintei as paredes
para apagar os vestígios dos anos.
Guardo alguns poucos livros. Sei bem quais.
Destruí
cartas de amor que não me amavam mais.
Silenciosos agora, os amores
são icebergs errantes do pensar.
A casa, sem recantos para o medo,
deixa meus olhos mais desnudos.
Nada, nem a esperança,
pode perturbar a derradeira morte.
Não há outra casa para os que amo.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 14/08/2018

Joan Margarit – Despedirse

He retirado alfombras y cortinas,
todas las mesas en las que hace tiempo
que ni como ni escribo.
He sacado los cuadros y he pintado los muros
para borrar señales de los años.
Guardo unos pocos libros. Sé bien cuáles.
He destruido
cartas de amor que no me amaban ya.
Silenciosos, ahora, los amores
son icebergs errantes del pensar.
La casa, sin rincones para el miedo,
deja mis ojos más desnudos.
Nada, ni la esperanza,
podrá perturbar ya la última muerte.
No hay otra casa para los que amo.

Joan Margarit – Quando se perde o sinal

À noite, em um pequeno aeroporto,
vês um avião decolando.
O sinal vai se perdendo.
Sem nenhuma piedade por quem tens sido,
pois a piedade é demasiado efêmera e
não há tempo para edificar nada sobre ela,
sentes-te convencido de que vives,
embora sem esperanças, uns anos
que são os mais felizes de tua vida.
Há uma outra poesia, haverá sempre,
como há outra música. A de Beethoven surdo.
Quando se perde o sinal.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO com ligeiras alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 20/07/2023

Joan Margarit – Se pierde la señal

De noche, en un pequeño aeropuerto,
ves un avión que va elevándose.
Se va perdiendo la señal.
Sin ninguna piedad por lo que has sido,
pues la piedad es demasiado efímera
no hay tiempo a construir nada sobre ella ,
te sientes convencido de vivir,
aunque sin esperanzas, unos años
que son los más felices de tu vida.
Hay otra poesía, la habrá siempre,
como hay otra música. La de Beethoven sordo.
Cuando se pierde la señal.

Joan Margarit – Não jogues fora as cartas de amor

Elas não te abandonarão.
O tempo passará, o desejo se apagará
— esta seta da sombra —
e os rostos sensuais, belos e inteligentes
se ocultarão em ti, no fundo de um espelho.
Passarão os anos. Os livros te cansarão.
Cairás ainda mais
e inclusive perderás a poesia.
O ruído da cidade nas vidraças
acabará sendo tua única música,
e as cartas de amor que houveres guardado
serão tua última literatura.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 01/07/2018

No tires las cartas de amor

Ellas no te abandonarán.
El tiempo pasará, se borrará el deseo
-esta flecha de sombra-
y los sensuales rostros, bellos e inteligentes,
se ocultarán en ti, al fondo de un espejo.
Caerán los años. Te cansarán los libros.
Descenderás aún más
e, incluso, perderás la poesía.
El ruido de ciudad en los cristales
acabará por ser tu única música,
y las cartas de amor que habrás guardado
serán tu última literatura.

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonia ‘Leningrado’

Lembras-te? Joana1 havia morrido.
Íamos para o norte, tu e eu, de carro,
para o apartamento junto ao mar,
e ouvíamos esta sinfonia.
Iniciamos a viagem em uma manhã
luminosa e, dentro da música,
o dia era de muros cobertos pelo gelo,
sombras com sacos meio cheios
e, no lago, trenós com cadáveres.
Como uma pista de aeroporto ao sol,
fugia a estrada, e por trás dos sons se estendia
uma névoa de obuses ocultando
os rastros dos tanques na neve.
Foi em julho, em uma manhã azul dourada
que brilhava no cristal do mar.
Os metais e cordas ressoavam
gloriosamente – no passado, como sempre;
rejeitando a vida, como sempre.

À noite não se ouvia nenhum outro rumor
que o das ondas sob o terraço.
Por outro lado, dentro de nós,
como ocorria dentro da música,
rugia a tempestade de neve e ferro
que desata a história ao virar a página.

Trad.: Nelson Santander

N. do T.: 1. Joana foi uma das filhas do poeta, falecida em 2001, aos 30 anos de idade, em decorrência de um câncer. Portadora de uma doença genética rara, sua presença permeia toda a obra de Joan Margarit. Em sua homenagem, o autor escreveu a coleção de poemas Joana, inteiramente dedicada à filha, e considerada sua obra-prima. Em 2021, tive o prazer de traduzir o livro na íntegra para o blog (aqui).

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 21/06/2018

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonía “Leningrado”

¿Lo recuerdas? Joana había muerto.
Íbamos hacia el norte, tú y yo, en coche,
hasta el apartamento junto al mar,
y escuchábamos esta sinfonía.
Iniciamos el viaje una mañana
llena de luz y, dentro de la música,
el día era de muros cubiertos por el hielo,
sombras con sacos a medio llenar
y, en el lago, trineos con cadáveres.
Como una pista de aeropuerto al sol,
huía la autopista e trás de los sonidos se extendía
una niebla de obuses ocultando
las huellas de los tanques en la nieve.
Fue en julio, una mañana de oro azul
que destellaba en el cristal del mar.
Los metales y cuerdas resonaban
con la gloria, en pasado como siempre,
rechazando la vida, como siempre.

De noche no se oía más rumor
que el de las olas bajo la terraza.
En cambio, dentro de nosotros,
como ocurría dentro de la música,
rugía el temporal de nieve y hierro
que desata la historia al pasar página.

Joan Margarit – Não estava distante, não era difícil

Chegou um tempo
em que a vida que se perde já não causa dor,
em que a luxúria é apenas
uma lâmpada inútil, e a inveja é esquecida.
É um tempo de perdas prudentes, necessárias,
e não é um tempo de chegar
mas de partir. O amor, agora,
por fim se une à inteligência.
Não estava distante,
não era difícil. É um tempo
que não me deixa mais que o horizonte
como medida da solidão.
Um tempo de tristeza protetora.

Trad.: Nelson Santander

REPUBLICAÇÃO, com alterações na tradução: poema publicado na página originalmente em 12/06/2018

Joan Margarit – No estaba lejos, no era difícil

Ha llegado este tiempo
cuando ya no hace daño la vida que se pierde,
cuando ya la lujuria es tan sólo
una lámpara inútil, y la envidia se olvida.
Es un tiempo de pérdidas prudentes, necesarias,
y no es un tiempo de llegar
sino de irse. El amor, ahora,
por fin coincide con la inteligencia.
No estaba lejos,
no era difícil. Es un tiempo
que no me deja más que el horizonte
como medida de la soledad.
Un tiempo de tristeza protectora.