Joan Margarit – Um pobre instante

A morte não é mais do que isto: um quarto,
a luminosa tarde na janela,
e este toca-fitas na mesinha
tão desligado como o teu coração
com todas as tuas canções cantadas para sempre.
Teu último suspiro segue dentro de mim,
todavia em suspenso: não deixo que termine.
Sabes qual é, Joana, o próximo concerto?
Ouves como no pátio da escola
as crianças estão brincando?
Sabes, ao final da tarde,
como será esta noite,
noite de primavera? Pessoas virão.
A casa acenderá todas as suas luzes.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Un pobre instante

La muerte no es más que esto: el dormitorio,
la luminosa tarde en la ventana,
y este radiocasete en la mesita
tan apagado como tu corazón
con todas tus canciones cantadas para siempre.
Tu último suspiro sigue dentro de mí
todavía en suspenso: no dejo que termine.
¿Sabes cual es, Joana, el próximo concierto?
¿Oyes como en el patio de la escuela
están jugando los niños?
¿Sabes, al acabar la tarde,
cómo serà esta noche,
noche de primavera? Vendrá gente.
La casa encenderá todas sus luces.

Joan Margarit – Quando se perde o sinal

À noite, em um pequeno aeroporto,
vês um avião que está decolando.
Vai-se perdendo o sinal.
Sem nenhuma piedade pelo que foste,
pois a piedade é demasiado efêmera e
não há tempo para construir nada sobre ela,
convences-te de que vives,
embora sem esperanças, uma época
que é a mais feliz de tua vida.
Há uma outra poesia, haverá sempre,
como há outra música. A de Beethoven surdo.
Quando se perde o sinal.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Se pierde la señal

De noche, en un pequeño aeropuerto,
ves un avión que va elevándose.
Se va perdiendo la señal.
Sin ninguna piedad por lo que has sido,
pues la piedad es demasiado efímera
no hay tiempo a construir nada sobre ella ,
te sientes convencido de vivir,
aunque sin esperanzas, unos años
que son los más felices de tu vida.
Hay otra poesía, la habrá siempre,
como hay otra música. La de Beethoven sordo.
Cuando se pierde la señal.

Joan Margarit – Vozes de Crianças

O amanhã nos meus olhos é de um cinzento triste,
é uma teia de luz cansada
onde recordo quando iam dormir.
Ainda lhes leio naquele quarto,
debaixo da lâmpada ao lado da cama,
os contos com capas duras de cores brilhantes.
De súbito, em alguma madrugada,
ouço uma criança que me chama e incorporo-me,
mas não há ninguém, só um velho
que ouviu o rumor da memória,
um leve fragor de ar na escuridão
como se uma bala atravessasse a casa.
Ao apagar a luz guardava um tesouro.

Trad.: Rita Custódio e Àlex Tarradellas

Joan Margarit – Não jogues fora as cartas de amor

Elas não te abandonarão.
O tempo passará, apagar-se-á o desejo
— esta flecha da sombra —
e os rostos sensuais, belos e inteligentes,
ocultar-se-ão em ti, no fundo de um espelho.
Passarão os anos. Cansar-te-ão os livros.
Decairás ainda mais
e perderás até mesmo a poesia.
O ruído da cidade nas vidraças
acabará por ser tua única música,
e as cartas de amor que houveres guardado
serão tua última literatura.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – No tires las cartas de amor

Ellas no te abandonarán.
El tiempo pasará, se borrará el deseo
-esta flecha de sombra-
y los sensuales rostros, bellos e inteligentes,
se ocultarán en ti, al fondo de un espejo.
Caerán los años. Te cansarán los libros.
Descenderás aún más
e, incluso, perderás la poesía.
El ruido de ciudad en los cristales
acabará por ser tu única música,
y las cartas de amor que habrás guardado
serán tu última literatura.

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonia “Leningrado”

Lembras-te? Joana havia morrido.
Íamos para o norte, tu e eu, no carro,
para o apartamento junto ao mar,
e ouvíamos esta sinfonia.
Iniciamos a viagem em uma manhã
luminosa e, dentro da música,
o dia era de muros cobertos pelo gelo,
vultos carregando sacos meio vazios
e, no lago, trenós com cadáveres.
Como uma pista de aeroporto ao sol,
fugia a autoestrada e, através dos sons, se estendia
uma névoa de obuses ocultando
os rastros dos tanques na neve.
Foi em julho, em uma manhã azul dourada
que brilhava no cristal do mar.
Os metais e cordas ressoavam
como a glória – no passado, como sempre;
rechaçando a vida, como sempre.

À noite não se ouvia nenhum outro rumor
que o das ondas sob o terraço.
Por outro lado, dentro de nós,
como ocorria dentro da música,
rugia o temporal de neve e ferro
que desata a história ao virar a página.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Shostakovich. Sinfonía “Leningrado”

¿Lo recuerdas? Joana había muerto.
Íbamos hacia el norte, tú y yo, en coche,
hasta el apartamento junto al mar,
y escuchábamos esta sinfonía.
Iniciamos el viaje una mañana
llena de luz y, dentro de la música,
el día era de muros cubiertos por el hielo,
sombras con sacos a medio llenar
y, en el lago, trineos con cadáveres.
Como una pista de aeropuerto al sol,
huía la autopistaetrás de los sonidos se extendía
una niebla de obuses ocultando
las huellas de los tanques en la nieve.
Fue en julio, una mañana de oro azul
que destellaba en el cristal del mar.
Los metales y cuerdas resonaban
con la gloria, en pasado como siempre,
rechazando la vida, como siempre.

De noche no se oía más rumor
que el de las olas bajo la terraza.
En cambio, dentro de nosotros,
como ocurría dentro de la música,
rugía el temporal de nieve y hierro
que desata la historia al pasar página.

Joan Margarit – Não estava longe, não era difícil

Chegou este tempo
em que já não machuca a vida que se perde,
em que a luxúria é tão só
uma lâmpada inútil, e a inveja se olvida.
É um tempo de perdas prudentes, necessárias,
e não é um tempo de chegar
mas de partir. O amor, agora,
por fim coincide com a inteligência.
Não estava longe,
não era difícil. É um tempo
que não me deixa mais do que o horizonte
como medida da solidão.
Um tempo de tristeza protetora.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – No estaba lejos, no era difícil

Ha llegado este tiempo
cuando ya no hace daño la vida que se pierde,
cuando ya la lujuria es tan sólo
una lámpara inútil, y la envidia se olvida.
Es un tiempo de pérdidas prudentes, necesarias,
y no es un tiempo de llegar
sino de irse. El amor, ahora,
por fin coincide con la inteligencia.
No estaba lejos,
no era difícil. Es un tiempo
que no me deja más que el horizonte
como medida de la soledad.
Un tiempo de tristeza protectora.

Joan Margarit – Discurso do Método

Já de criança procurava as janelas
para pode fugir com o olhar.
Desde então, se entro em um lugar,
observo com atenção onde deixo meu casaco
e onde está a porta de saída.
Liberdade, para mim, quer dizer fuga.
Há muitas portas no mundo.
Inclusive o sexo, em caso de emergência,
pode sê-lo, embora todas se vão fechando
e, para fugir, depressa fiquem
apenas as janelas da infância.
De par em par abertas para poder saltar.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Discurso del Método

De niño ya buscaba las ventanas
para poder huir con la mirada.
Desde entonces, si entro en un lugar,
miro con atención dónde dejo el abrigo
y dónde está la puerta de salida.
Libertad, para mí, quiere decir huida.
Hay muchas puertas en el mundo.
Incluso el sexo, en caso de emergencia,
puede serlo, aunque todas van cerrándose
y, para huir, muy pronto quedarán
tan solo las ventanas de la infancia.
De par en par abiertas para poder saltar.