Claudia Emerson – A Moldura, uma Epístola

A maioria das coisas que você fez pra mim — baú de cobertores,
mesinha portátil, a cadeira de balanço sem braços — dei
a amigos que poderiam usá-las sem
se lembrar das horas perdidas ali,
por não terem sido testemunhas daqueles projetos,
dos tediosos acabamentos. Mas retive
o espelho, talvez porque, como todo espelho,
na maior parte desses anos ele tenha sido invisível,
parte da parede, ou definido pelo reflexo —
seguro — já que o reflexo, afinal, muda.
Pendurei-o aqui na entrada, no corredor escuro
desta casa que você nunca verá, para que
amplificasse a luz escassa,
transformando-se em uma janela menor e mais recuada. Ninguém
permanece diante dele por muito tempo. Mas esta manhã,
enquanto vestia o sobretudo e ajeitava
o cabelo, vi além do meu rosto a moldura
que você fez pra mim, admirando pela primeira
vez o modo como a cerejeira que você mesmo cortou
e aplainou havia escurecido, exatamente como você previu.

Trad.: Nelson Santander

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Frame, an Epistle

Most of the things you made for me—blanket-
chest, lapdesk, the armless rocker—I gave
away to friends who could use them and not
be reminded of the hours lost there,
not having been witness to those designs,
the tedious finishes. But I did keep
the mirror, perhaps because like all mirrors,
most of these years it has been invisible,
part of the wall, or defined by reflection—
safe—because reflection, after all, does change.
I hung it here in the front, dark hallway
of this house you will never see, so that
it might magnify the meager light,
become a lesser, backward window. No one
pauses long before it. But this morning,
as I put on my overcoat, then straightened
my hair, I saw outside my face its frame
you made for me, admiring for the first
time the way the cherry you cut and planed
yourself had darkened, just as you said it would.