Dan Pagis – Escrito a lápis no vagão lacrado

sou eva
aqui neste vagão
com abel meu filho
se vires meu outro filho
caim filho do homem
diz-lhe que eu

Trad.: Nelson Santander

Nota sobre o poema: O poema de Dan Pagis condensa uma potente narrativa em poucas linhas. Já no título, “Escrito a Lápis no Vagão Selado”, estabelece-se o contexto do Holocausto — os infames vagões de trem lacrados que transportavam prisioneiros aos campos de concentração. Embora Pagis tenha sido um sobrevivente, o conhecimento de sua biografia apenas intensifica uma obra que já carrega força própria. A genialidade do texto está na fusão entre história contemporânea e arquétipos bíblicos. O autor evoca a primeira narrativa de fratricídio da humanidade para estabelecer um paralelo devastador com o genocídio do século XX. Ao referir-se a Caim como “filho do homem”, Pagis localiza a responsabilidade pelos horrores do Holocausto firmemente no âmbito humano, não no divino. O final abrupto do poema funciona como elemento crucial da narrativa. Representa tanto a interrupção brutal de vidas quanto, possivelmente, a impossibilidade de encontrar palavras diante de tamanha transgressão moral — o que fazer quando um filho mata o outro? O que dizer quando a humanidade volta-se contra si mesma? A menção ao lápis no título sugere fragilidade e possível apagamento — remetendo ao risco de esquecimento histórico e à vulnerabilidade da memória coletiva. Com poucas linhas concisas, incluindo o título, Pagis realiza uma façanha literária extraordinária: conecta o primeiro assassinato da história bíblica ao genocídio moderno, criando uma obra que, em sua aparente simplicidade, contém camadas de significado que nos confrontam com o abismo da condição humana.

Written In Pencil In The Sealed Railway-Car

here in this carload
i am eve
with abel my son
if you see my other son
cain son of man
tell him that i

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