Eavan Boland – Brasas

Em uma noite de inverno, quando uma geada cortante
fazia as trilhas entre os tojais estalarem sob os pés,
uma desventurada mulher, olhos arregalados, cabelos em desalinho,
chegou ao lugar onde os Fianna1 haviam montado acampamento.

Tua face é de sombra. Estás lendo.
Ainda há calor na fogueira. Estou lendo:

Ela pediu a cada um deles, por sua vez,
que a levasse para sua cama, que a abrigasse com seu corpo.
Cada um a olhou — ela era velha além dos anos.
Cada um a recusou, cada um a repeliu, exceto Diarmuid.

Quando ele acordou pela manhã, ela era jovem e bela.
E era dele, para sempre, mas com uma condição:
ele não poderia dizer que ela já fora velha e abatida.
Ele não poderia dizer que ela jamais tinha sido… aqui eu levanto o olhar.

Estás de costas. Não tens interesse nisso.

Fiz essa fogueira com a primeira turfa do inverno.
Olha-me sob a última luz polida dela.
Diz-me que ainda sentes o calor.
Diz-me que nunca falarás sobre as cinzas.

Trad.: Nelson Santander

  1. O poema faz referência a uma lenda do ciclo mitológico irlandês conhecido como Ciclo Feniano (ou Ciclo Ossiânico). Diarmuid Ua Duibhne era um guerreiro dos Fianna, um grupo de heróis liderados por Fionn mac Cumhaill na Irlanda antiga. A passagem alude ao encontro de Diarmuid com uma mulher idosa e miserável que pede abrigo aos guerreiros, sendo rejeitada por todos, exceto por ele. Em algumas interpretações, essa figura pode ser associada ao motivo mitológico da Soberania — uma personificação da terra da Irlanda, que testa os heróis aparecendo primeiro como uma velha horrenda (cailleach) antes de revelar sua verdadeira forma como uma jovem bela. Esse padrão narrativo, comum na mitologia celta, simboliza a aliança entre o herói digno e a terra/soberania. A condição imposta a Diarmuid — nunca mencionar sua aparência anterior — representa a lealdade e discrição exigidas em relações de confiança. No poema de Boland, essa história mítica serve como metáfora para relacionamentos contemporâneos, sugerindo as complexidades da memória, do envelhecimento e da intimidade. ↩︎

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Embers

One night in winter when a bitter frost
made the whin-paths crack underfoot,
a wretched woman, eyes staring, hair in disarray,
came to the place where the Fianna had pitched camp.

Your face is made of shadow. You are reading.
There is heat from the fire still. I am reading:

She asked every one of them in turn
to take her to his bed, to shelter her with his body.
Each one looked at her — she was old beyond her years.
Each one refused her, each spurned her, except Diarmuid.

When he woke in the morning she was young and beautiful.
And she was his, forever, but on one condition.
He could not say that she had once been old and haggard.
He could not say that she had ever … here I look up.

You are turned away. You have no interest in this.

I made this fire from the first peat of winter.
Look at me in the last, burnished light of it.
Tell me that you feel the warmth still.
Tell me you will never speak about the ashes.

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