Louis MacNeice – Uma catarata concebida como uma procissão de cadáveres

Cai o rio e por cima do peitoril caixões de funerais frios1
Tombam fundo e repousam na tumba selada da piscina,
E a água amarela limpa a campa e o calhau tampa o necrotério
E o rio-corcel salta e mergulha e borbulha em fúria e frenesi,
E os caixões se espalham, tambores se esbarram, águas escorrem.
E os corcéis-pantera erguem cascos e patas que puxam o caixão,
E os corpos cintilam na fluência fluvial, e da água seus queixos se inclinam
E sorvem o jato e lambem o trago e torcem as cabeças e grasnam,
Afogados e embriagados pela catarata que os arrasta e os enterra
E os soterra e os encerra e solfeja e zomba sobre seus ossos;
Os sons de órgãos que o vento desrepresa jamais penetrarão o fio da correnteza,
E tudo o que ouvirão será o cair dos cascos e o distante tilintar dos arreios,
O soar dos sinos nas cabeças dos cavalos e o riso do coveiro,
E o rumor que perderá seu vigor até se mesclar ao silêncio,
E então o minuto ouvido caindo, sem cessar de ser ouvido,
E depois o minuto seguinte e o minuto seguinte ao minuto seguinte.

Trad.: Nelson Santander

  1. Esse poema sinistro de MacNeice me lembrou o “Noturno Oprimido”, de Carlos Drummond de Andrade. Ambos os poemas exploram a força sombria e incontrolável da água como uma metáfora de morte e esquecimento. Em ambos, a água assume um papel ameaçador e inexorável, carregando consigo o peso de algo irreparável e macabro, com uma carga de sofrimento subjacente. No entanto, enquanto MacNeice enxerga a catarata como uma marcha fúnebre grandiosa e ritualística, Drummond descreve a água de maneira íntima, quase opressora, ligada ao espaço doméstico, onde ela simboliza uma presença sinistra e destrutiva que invade o cotidiano com uma “queixa feroz”. Assim, a água em Drummond torna-se um lamento daquilo que se aproxima e devasta, refletindo uma angústia mais introspectiva, enquanto em MacNeice, ela é a própria procissão da morte, carregada de força coletiva e inevitável. ↩︎

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A Cataract Conceived as the March of Corpses

The river falls and over the walls the coffins of cold funerals
Slide deep and sleep there in the close tomb of the pool,
And yellow waters lave the grave and pebbles pave its mortuary
And the river horses vault and plunge with their assault and battery,
And helter-skelter the coffins come and the drums beat and the waters flow.
And the panther horses lift their hooves and paw and shift and draw the bier,
The corpses blink in the rush of the river, and out of the water their chins they tip
And quaff the gush and lip the draught and crook their heads and crow,
Drowned and drunk with the cataract that carries them and buries them
And silts them over and covers them and lilts and chuckles over their bones;
The organ-tones that the winds raise will never pierce the water ways,
So all they will hear is the fall of hooves and the distant shake of harness,
And the beat of the bells on the horses’ heads and the undertaker’s laughter,
And the murmur that will lose its strength and blur at length to quietness,
And afterwards the minute heard descending, never ending heard,
And then the minute after and the minute after the minute after.

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