Eu desejava tanto o amor
que voei para Cedar Rapids1
para ficar com um homem que mal conhecia,
e quando cheguei na casa dele,
conversamos um pouco, ele serviu
uma taça de vinho para cada um de nós, e depois
de alguns goles perguntou se eu faria xixi
na cabeça dele. Ele era psicólogo,
então esperava que estivesse brincando.
Havíamos nos conhecido em um bar em São Francisco —
eu estava sempre em um bar naqueles dias,
como se o amor morasse lá.
Meu pai era alcóolatra,
e minha mãe tinha acabado de morrer,
e, olhando para trás, para quem eu era então,
percebo que estava louca de tristeza.
Mas na época eu não sabia o que
estava fazendo, e um estranho tinha feito
uma pergunta estranha. “Na cozinha?”,
perguntei, porque era lá que estávamos,
minha pequena mala ao lado da cadeira.
“Não,” disse o homem. “No chuveiro”.
Olhei para a sala de estar: piso escuro de madeira,
móveis escuros, cortinas fechadas no meio da tarde.
O medo zumbiu em minha caixa torácica. Eu não tinha dito a ninguém
onde estava. Aquele homem poderia me matar e me enterrar
no quintal, e ninguém jamais descobriria.
“Acho que você iria gostar,” ele disse.
“E se você quiser, também posso fazer xixi
na sua cabeça”. “Não, obrigada”.
Tentei rir, mas soou
como se um osso de frango
estivesse perfurando minha laringe.
Saímos para um passeio por uma bela floresta
à beira de um rio até a casa dos pais dele. O pai
usava um terno azul de anarruga, e o vestido da mãe
tinha estampa de peônias. Seus pais
eram tão gentis que me senti como se fosse filha deles.
Quando perguntaram sobre minha família,
respondi que minha mãe tinha morrido em um acidente de carro,
e, enquanto eu chorava, ninguém disse nada
até que eu pudesse parar. A mãe segurou
minha mão o tempo todo. Depois do jantar,
o filho deles e eu nos sentamos no quintal
comendo sorvete.
Nunca tinha visto vagalumes antes.
Eles formavam uma constelação dourada
como um céu de estrelas sob as estrelas.
Quando voltamos para a casa dele, vestimos
nossos pijamas e fomos para a cama. Ele me abraçou
e contou histórias de sua infância.
“Chuveiro?” ele perguntou.
Respondi que os vagalumes já bastavam.
De manhã, decidi ir embora,
então ele trocou a passagem. No aeroporto,
ele me deu um presente embrulhado, dizendo que
era algo para minha viagem. Quando o avião
decolou, abri o pacote; era um livro:
You Can Be Happy No Matter What2,
e eu não consegui parar de lê-lo.
Trad.: Nelson Santander
- Cidade do Iowa, com cerca de 137 mil habitantes ↩︎
- Obra clássica da literatura de autoajuda do escritor, psicoterapeuta e palestrante norte-americano Richard Carlson, publicada pela primeira vez em 2006. Foi traduzida para o português por Joana Mosela com o título “Não faça tempestade em copo d’água” – ed. Rocco ↩︎
Strange Ode
I wanted love so badly
I flew to Cedar Rapids
to stay with a man I barely knew,
and when I arrived at his house,
we chatted for a bit, and he poured
us each a glass of wine and after
a few sips asked if I’d pee
on his head. He was a psychologist,
so I hoped he was joking.
We’d met in a bar in San Francisco—
I was often in a bar in those days,
as if love lived there.
My father was an alcoholic,
and my mother had just died,
and looking back at who I was then,
I realize I was crazy from grief.
But at the time I didn’t know what
I was doing, and a stranger had asked
a strange question. “In the kitchen?”
I asked, because that’s where we were,
my small suitcase next to the chair.
“No,” the man said. “In the shower.”
I glanced into the living room: dark wood floor,
dark furniture, drapes closed in midafternoon.
Fear zithered my ribcage. I hadn’t told anyone
where I was. This man could kill me and bury me
in his backyard, and no one would ever find out.
“I think you’d enjoy it,” he said.
“And if you’d like me to, I can also pee
on your head.” “No, thanks.”
I tried to chuckle, but it sounded
like a chicken bone
was stabbing my larynx.
We went for a drive through a beautiful forest
by a river to his parents’ house. The father
wore a blue seersucker suit, and the mother’s dress
was patterned with peonies. His parents
were so kind I felt like I was their daughter.
When they asked about my family,
I said my mother had died in a car accident,
and while I cried, no one said anything
until I was able to stop. The mother held
my hand the whole time. After dinner,
her son and I sat in the backyard
eating ice cream.
I’d never seen fireflies before.
They made a gold constellation
like a sky of stars beneath the stars.
When we got back to his place, we put on
our pajamas and went to bed. He held me
close and told stories from his childhood.
“Shower?” he asked.
I said the fireflies were good enough.
In the morning, I decided to go home,
so he changed the ticket. At the airport,
he gave me a wrapped present, saying it
was something for my journey. As the plane
lifted off, I opened the package, a book:
You Can Be Happy No Matter What,
and I couldn’t put it down.
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