Colhi as últimas cebolas frescas do ano.
O jardim está limpo agora. O solo está frio,
gasto e pardacento. O que resta do dia
arde nos bordos, nas bordas dos meus
olhos. Eu me viro, um cardeal desaparece.
Junto à porta da adega, lavo as cebolas,
depois bebo da gelada torneira de metal.
Certa vez, anos atrás, caminhei ao lado do meu pai
entre as peras caídas. Não consigo lembrar de
nossas palavras. Talvez tenhamos caminhado em silêncio. Mas
ainda o vejo se inclinar daquele jeito – a mão esquerda apoiada
no joelho, rangendo – para erguer e segurar diante dos meus
olhos uma pera podre. Nela, uma vespa
girava loucamente, vitrificada em um suco lento e brilhante.
Foi meu pai que vi esta manhã
acenando para mim das árvores. Quase
o chamei, até que cheguei perto o suficiente
para ver a pá, apoiada onde a havia
deixado, na sombra verde profunda e tremulante.
Arroz branco cozinhando, quase pronto. Ervilhas doces
fritas com cebolas. Camarão refogado no óleo
de gergelim e alho. E minha própria solidão.
O que mais eu, um jovem, poderia querer?
Trad.: Nelson Santander
P.S.: À moda melancólica da página, desejo a todos um feliz Dia dos Pais!
Eating Alone
I’ve pulled the last of the year’s young onions.
The garden is bare now. The ground is cold,
brown and old. What is left of the day flames
in the maples at the corner of my
eye. I turn, a cardinal vanishes.
By the cellar door, I wash the onions,
then drink from the icy metal spigot.
Once, years back, I walked beside my father
among the windfall pears. I can’t recall
our words. We may have strolled in silence. But
I still see him bend that way-left hand braced
on knee, creaky-to lift and hold to my
eye a rotten pear. In it, a hornet
spun crazily, glazed in slow, glistening juice.
It was my father I saw this morning
waving to me from the trees. I almost
called to him, until I came close enough
to see the shovel, leaning where I had
left it, in the flickering, deep green shade.
White rice steaming, almost done. Sweet green peas
fried in onions. Shrimp braised in sesame
oil and garlic. And my own loneliness.
What more could I, a young man, want.
2 comentários