Christopher Bursk – “Ashes, Ashes, We All Fall Down”

Ashes, Ashes, We All Fall Down1

Se vou me transformar em cinzas em uma década ou algo assim,
por que ficar acordado até depois da meia-noite encarando a TV
como se ela pudesse mudar de opinião
e eleger, por uma vez, um candidato independente para o cargo
ou acabar com a guerra e, ao mesmo tempo, remover a acne do meu neto?
Talvez eu devesse apenas desfrutar do uivo do cachorro na casa ao lado.
A noite toda ele esteve puxando sua corrente
como se os elos pudessem finalmente se entediar de ser de metal e se romper.

Se eu vou ser incinerado — queimado até virar cinzas —
em cerca de 3.650 dias, por qual razão eu ficaria de mau humor
porque nesta manhã, entre todas as manhãs, meu carro cansou de fazer
a mesma coisa que fez na manhã anterior,
e porque metade da minha turma escolheu não aparecer para uma aula que
eu, o professor deles, a um ano da aposentadoria, esperava
que mudasse completamente sua visão sobre
vírgulas mal colocadas? Quando eu for cinzas flutuando sobre as águas,

o que importa se anos atrás eu vomitei no meu baile de formatura,
ou se na semana passada esqueci o aniversário de 61 anos da minha mulher,
ou se hoje cedo envergonhei meu neto na frente dos amigos dele?
Como podemos nos preparar para o futuro
quando estamos tão ocupados bagunçando
o presente? Talvez esta seja a vingança mais verdadeira do tempo:
conscientizar-nos de sua passagem, a cada minuto
de cada dia. Daqui a aproximadamente 5.256.000

minutos — em mais ou menos um mês ou um ano ou dois —
meu filho estará em uma ponte
com seus filhos e fará algo que ele nunca pensou
que teria que fazer: deixar o seu estranho,
chato, mas adorável (assim espero!) pai escoar por entre seus dedos.
Este é o meu único consolo: serei cinzas
tão finas que elas nem questionarão as rochas
sobre as quais caírem, o riacho que as arrastará para longe.
Pela primeira vez, não vou envergonhar ninguém.
Pela primeira vez, não terei que me preocupar
se estou fazendo algo certo.
Realizarei o único milagre da minha vida.

Trad.: Nelson Santander

  1. Em tradução livre: Cinzas, cinzas, todos caímos. O título do poema faz referência à letra de uma antiga cantiga de roda muito famosa no Reino Unido, chamada Ring Around the Rosie, que apresenta os seguintes versos: Ring around the rosie / pocket full of posies / ashes, ashes / we all fall down! O uso deste trecho da cantiga não é obra do acaso. A repetição do Ashes, Ashes no título sugere um sentido de inevitabilidade ou predestinação, enfatizando que a morte é algo que todos nós eventualmente teremos que enfrentar (we all fall down!). Além disso, o uso desta referência também pode ter como objetivo evocar uma sensação de nostalgia ou lembranças da infância. Mais informações sobre o significado da letra desta cantiga, incluindo a associação com a Peste Negra, podem ser encontradas na nota que redigi acerca da tradução do poema Ashes, Ashes, de Faith Shearin.

Ashes, Ashes, We All Fall Down

If I’m going to be ashes in a decade or so,
why stay up past midnight staring at the television
as if it might have a change of heart
and put a third-party candidate in office for once
or end the war, and, while it was at it, clear up my grandson’s acne?
Maybe I should just enjoy the dog’s howling next door.
All night it’s been tugging at its chain
as if the links might finally get bored with being metal and snap.

If I’m going to be incinerated — burnt to a crisp —
in roughly 3,650 days, why am I sulking
because this morning of all mornings my car tired of doing
the same thing it had done the morning before,
and because half my class chose not to show up for a lecture that
I, their professor, a year from retirement, had hoped
would change their entire outlook
on comma splices? Once I’m ashes drifting away on the water,

what will it matter that years ago I threw up on my senior-prom date,
or last week forgot my wife’s sixty-first birthday,
or this morning embarrassed my grandson in front of his friends?
How do any of us prepare for the future
when we’re so busy making a mess
of the present? Perhaps this is time’s truest revenge:
to make us aware of its passing, every minute
of every day. Approximately 5,256,000 minutes

from now — give or take a month or year or two —
my son is going to stand on a bridge
with his children and do something he never thought
he’d have to do: let his quirky,
annoying, yet lovable (I’d hoped!) father slip through his fingers.
That’s my only comfort: I will be ashes
so fine they won’t even question the rocks
they fall on, the creek that sweeps them away.
For once I’ll not embarrass anyone.
For once I’ll not have to worry
about whether I’m doing something right.
I’ll perform the one miracle of my life.

Deixe um comentário