Chico Buarque – Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

Intérpretes: Chico Buarque e Zizi Possi

REPUBLICAÇÃO: canção originalmente publicada na página em 13/03/2016

Haroldo Barbosa e Luis Reis – Notícia de Jornal

 

“Tentou contra a existência
Num humilde barracão
Joana de Tal, por causa de um tal João.
Depois de medicada,
Retirou-se pro seu lar.”

Aí a notícia carece de exatidão.
O lar não mais existe.
Ninguém volta ao que acabou.
Joana é mais uma mulata triste que errou.

Errou na dose, errou no amor,
Joana errou de João.
Ninguém notou, ninguém morou
Na dor que era o seu mal:

– A dor da gente não sai no jornal…

Letra: Haroldo Barbosa / Intérpretes: Chico Buarque e Miltinho

REPUBLICAÇÃO: canção originalmente publicada na página em 13/03/2016

Adriana Calcanhotto e Antonio Cicero – Inverno

No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir
De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial
Há algo que jamais se esclareceu:
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
Que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu
Reuniu-se a terra um instante por nós dois
Pouco antes do Ocidente se assombrar

Letra de Antonio Cícero

REPUBLICAÇÃO: canção originalmente publicado na página em 12/03/2016

Chico Buarque e Cristovão Bastos – Todo sentimento

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo
Da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar
E urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E bota no corpo uma outra vez

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente
Doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei, como encantado,
Ao lado teu

Antonio Cicero – Virgem

Música: Marina Lima

As coisas não precisam de você:
Quem disse que eu tinha que precisar?
As luzes brilham no Vidigal
E não precisam de você;
Os Dois Irmãos
Também não.
O Hotel Marina quando acende
Não é por nós dois
Nem lembra o nosso amor.
Os inocentes do Leblon,
Esses nem sabem de você
Nem vão querer saber
E o farol da Ilha só gira agora
Por outros olhos e armadilhas:
O farol da Ilha procura agora
Outros olhos e armadilhas.

Pedro Abrunhosa – Quem me Leva os meus Fantasmas

Intérprete: Maria Bethânia

“De que serve ter o mapa
Se o fim está traçado,
De que serve a terra à vista
Se o barco está parado,
De que serve ter a chave
Se a porta está aberta,
De que servem as palavras
Se a casa está deserta?”

Aquele era o tempo
em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes as palavras voavam
E eu via que o céu me nascia dos dedos
E a Ursa Maior eram ferros acesos
Marinheiros perdidos em portos distantes
Em bares escondidos
em sonhos gigantes
E a cidade vazia
da cor do asfalto
E alguém me pedia que cantasse mais alto

Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
Quem me diz onde é a estrada?
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
E me diz onde é a estrada

Aquele era o tempo
Em que as sombras se abriam,
Em que homens negavam
O que outros erguiam.
E eu bebia da vida em goles pequenos,
Tropeçava no riso, abraçava venenos.
De costas voltadas não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha no muro.
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta.

Quem leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
Quem me diz onde é a estrada?
Quem leva os meus fantasmas?
Quem leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
E me diz onde e a estrada

Engenheiros do Hawaii – Novos Horizontes

Corpos em movimento
O universo em expansão
E o apartamento que era tão pequeno
Não acaba mais

“Vamos dar um tempo”
Não sei quem deu a sugestão
E aquele sentimento que era passageiro
Não acaba mais

Quero explodir as grades
E voar
Não tenho pra onde ir
Mas não quero ficar

Novos horizontes
Se não for isso, o que será?
Quem constrói a ponte
Não conhece o lado de lá

Quero explodir as grades e voar
Não tenho pra onde ir
Mas não quero ficar
Suspender a queda livre
Libertar
O que não tem fim sempre acaba assim

Oswaldo Montenegro – Travessuras

 

Eu insisto em cantar
Diferente do que ouvi
Seja como for recomeçar
Nada há, mais há de vir
Me disseram que sonhar
Era ingênuo, e daí?
Nossa geração não quer sonhar
Pois que sonhe a que há de vir

Eu preciso é te provar
Que ainda sou o mesmo menino
Que não dorme a planejar travessuras
– E fez do som da tua risada um hino

Humberto Gessinger – Além da Máscara

Intérprete: Pouca Vogal

Agora que a terra é redonda
E o centro do universo é outro lugar
É hora de rever os planos
O mundo não é plano, não pára de girar
Agora que tudo é relativo
Não há tempo perdido, não há tempo a perder

Num piscar de olhos tudo se transforma
Tá vendo? Já passou!
Mas ao mesmo tempo
Fica o sentimento
De um mundo sempre igual
Igual ao que já era
De onde menos se espera
Dali mesmo é que não vem

Agora que tudo está exposto
A máscara e o rosto trocam de lugar
Tô fora se esse é o caminho
Se a vida é um filme, eu não conheço diretor
Tô fora, sigo o meu caminho
Às vezes tô sozinho, quase sempre tô em paz

Num piscar de olhos tudo se transforma
Tá vendo? Já passou!
Mas ao mesmo tempo
Esse mundo em movimento
Parece não mudar
É igual ao que já era
De onde menos se espera
Dali mesmo é que não vem

Visão de raio-x
O x dessa questão
É ver além da máscara
Além do que é sabido, além do que é sentido
Ver além da máscara

Caetano Veloso – O Homem Velho

O homem velho deixa a vida e morte para trás
Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais

A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
As linhas do destino nas mãos a mão apagou
Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock’n’roll
As coisas migram e ele serve de farol

A carne, a arte arde, a tarde cai
No abismo das esquinas
A brisa leve traz o olor fugaz
Do sexo das meninas

Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon
Belezas, dores e alegrias passam sem um som
Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron
E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom

Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
Já tem coragem de saber que é imortal