Jorge Luis Borges – A Chuva

A tarde subitamente clareou
Porque já cai a chuva minuciosa.
Ou caiu. A chuva é coisa curiosa
Que acontece no tempo que passou.

Quem a ouve cair já recobrou
O tempo em que a fortuna venturosa
Revelou-lhe uma flor chamada rosa
E a encarnada cor com que se corou.

Que esta chuva que já cega a vidraça
Em afastados arrabaldes faça
Feliz a vide que há muito cresceu

Num pátio que já não há. A chuvosa
Tarde traz-me a voz, querida voz: a
Do meu pai que volta e que não morreu.

Trad.: Marcelo Tápia

Jorge Luis Borges – La Lluvia

Bruscamente la tarde se ha aclarado
Porque ya cae la lluvia minuciosa.
Cae o cayó. La lluvia es una cosa
Que sin duda sucede en el pasado.

Quien la oye caer ha recobrado
El tiempo en que la suerte venturosa
Le reveló uma flor llamada rosa
Y el curioso color del colorado.

Esta lluvia que ciega los cristales
Alegrará en perdidos arrabales
Las negras uvas de una parra en cierto

Patio que ya no existe. La mojada
Tarde me trae la voz, la voz deseada,
De mi padre que vuelve y que no ha muerto.

Marcelo Tápia – a pedra volátil

A trombada do fim do mundo
(…) Um cometa baterá em Júpiter (…)
(…) Se fosse na Terra a vida acabaria –
e isso pode acontecer
revista Veja, 13 de julho de 1994

pedra de fogo furo do abismo
olho de soco projétil sísmico
pedra que voa sem ar sem nada
a esmo certo além da chegada

umbigo atômico elo infernal
bafo de satã vento do mal
vapor de pedra alma do avesso
dentro de fora fim do começo

começo do fim dias contados
destino volúvel do passado:
nosso dia chegará volátil
sem data sem dia inevitável?

a pedra do chão cairá do céu
um céu pesado enorme e cruel
crescendo de dentro do final —
um gérmen alheio original?