Konstantinos Kaváfis – Ítaca (em três traduções)

ÍTACA
(Trad. José Paulo Paes)

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

ÍTACA 
(Trad. Haroldo de Campos)

Quando, de volta, viajares para Ítaca
roga que tua rota seja longa,
repleta de peripécias, repleta de conhecimentos.
Aos Lestrigões, aos Cíclopes,
ao colério Posêidon, não temas:
tais prodígios jamais encontrará em teu roteiro,
se mantiveres altivo o pensamento e seleta
a emoção que tocar teu alento e teu corpo.
Nem Lestrigões nem Cíclopes,
nem o áspero Posêidon encontrarás,
se não os tiveres imbuído em teu espírito,
se teu espírito não os sucitar diante de si.
Roga que sua rota seja longa,
que, mútiplas se sucedam as manhãs de verão.
Com que euforia, com que júbilo extremo
entrarás, pela primeira vez num porto ignoto!
Faze escala nos empórios fenícios
para arrematar mercadorias belas;
madrepérolas e corais, âmbares e ébanos
e voluptosas essências aromáticas, várias,
tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar.
Detém-te nas cidades do Egito -nas muitas cidades-
para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos.
Todo tempo em teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar sua viagem.
É bom que ela tenha uma crônica longa duradoura,
que aportes velho, finalmente à ilha,
rico do muito que ganhares no decurso do caminho,
sem esperares de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.
Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.

ÍTACA 
(Trad. Ísis Borges da Fonseca)

Quando partires em viagem para Ítaca
faz votos para que seja longo o caminho,
pleno de aventuras, pleno de conhecimentos.
Os Lestrigões e os Ciclopes,
o feroz Poseidon, não os temas,
tais seres em teu caminho jamais encontrarás,
se teu pensamento é elevado, se rara
emoção aflora teu espírito e teu corpo.
Os Lestrigões e os Ciclopes,
o irascível Poseidon, não os encontrarás,
se não os levas em tua alma,
se tua alma não os ergue diante de ti.

Faz votos de que seja longo o caminho.
Que numerosas sejam as manhãs estivais,
nas quais, com que prazer, com que alegria,
entrarás em portos vistos pela primeira vez;
pára em mercados fenícios
e adquire as belas mercadorias,
nácares e corais, âmbares e ébanos
e perfumes voluptuosos de toda espécie,
e a maior quantidade possível de voluptuosos perfumes;
vai a numerosas cidades egípcias,
aprende, aprende sem cessar dos instruídos.

Guarda sempre Ítaca em teu pensamento.
É teu destino aí chegar.
Mas não apresses absolutamente tua viagem.
É melhor que dure muitos anos
e que, já velho, ancores na ilha,
rico com tudo que ganhaste no caminho,
sem esperar que Ítaca te dê riqueza.
Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem ela não te porias a caminho.
Nada mais tem a dar-te.

Embora a encontres pobre, Ítaca não te enganou.
Sábio assim como te tornaste, com tanta experiência,
já deves ter compreendido o que significam as Ítacas.

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Konstantinos Kaváfis – Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem os Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não o levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quando houver, de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha, velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso, não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

Trad.: José Paulo Paes

Konstantínos Kaváfis – Míris: Alexandria, 340 d. c.

Quando eu soube da tragédia, que Míris estava morto,
fui até sua casa, embora evite
entrar nas casas dos cristãos,
principalmente em épocas de luto ou de festividades.

Fiquei no corredor. Não quis
avançar mais para dentro, porque percebi
que os parentes do morto me olhavam
com evidente surpresa e desagrado.

Tinham-no colocado num cômodo amplo
do qual, do ponto onde permaneci,
eu podia ver um pouco: todo tapetes preciosos
e vasilhas de prata e de ouro.

Fiquei de pé e chorei num canto do corredor.
E pensei em como nossas reuniões e nossas excursões
nada mais valeriam sem Míris;
e pensei em que eu não mais o veria
em nossas belas e indecentes sessões que duravam a noite toda,
divertindo-se, e rindo, e recitando versos
com o seu sentido perfeito do ritmo grego;
e pensei em como eu tinha perdido para sempre
sua beleza, em como eu perdera para sempre
o jovem que venerara tão desvairadamente.

Algumas mulheres velhas, próximas de mim, falavam com suavidade
do último dia que ele vivera –
em seus lábios continuamente o nome de Cristo,
em suas mãos uma cruz.
E então quatro sacerdotes cristãos
entraram no cômodo e fizeram preces
com fervor e orações a Jesus
ou a Maria (não conheço bem a religião deles).

Sabíamos, por certo, que Míris era cristão.
Desde o primeiro instante o soubemos, quando
no ano anterior ao último ele se juntou à nossa companhia.
Mas vivia exatamente como nós:
mais entregue ao prazer do que todos nós,
dissipava seu dinheiro prodigamente em divertimentos.
Indiferente ao apreço do mundo,
atirava-se sofregamente para as brigas noturnas,
quando acontecia de nosso bando encontrar
um bando rival.
Nunca falava de sua religião.
E uma vez nós até lhe dissemos
que íamos levá-lo conosco ao Serapião.
Mas foi como se isso lhe desagradasse,
essa nossa piada: lembro-me agora.
Ah, e agora me ocorrem duas outras ocasiões.
Quando fizemos libações a Posseidon,
ele se abstraiu de nosso círculo e olhou noutra direção.
Quando um de nós disse com entusiasmo:
“Que nossa companhia esteja
sob o favor e sob a proteção do grande,
do inteiramente belo Apolo” – Míris sussurrou
(os outros não ouviram): “Com exceção de mim”.

Os sacerdotes cristãos, em altas vozes,
rezavam pela alma do jovem.
Notei com quanta diligência
e com que cuidado intensivo
pelas formas de sua religião eles preparavam
cada coisa para o funeral cristão.
E de repente uma sensação esquisita
me veio. Senti, obscuramente,
como se Míris estivesse escapando de mim:
senti que ele, um cristão, tinha se unido
à sua própria gente, e que eu estava me tornando
um estranho, um completo estranho; e senti mesmo
uma dúvida se aproximando: que eu fora enganado
por minha paixão e tinha sido sempre um estranho para ele.
Atirei-me para fora de sua assustadora casa;
fugi depressa antes que fosse agarrada, antes que fosse alterada
pelo seu cristianismo a memória de Míris.

Trad.: Renato Suttana