Bob Hicok – Alzheimer

As cadeiras se movem sozinhas, assim como os livros.
Os netos vêm visitá-la, são
jovens e sem nomes, peças ausentes nos quebra-cabeças
de seus rostos. Ela é como um peixe

no oceano profundo, seu corpo é feito de luz.
Ela flutua pelos cômodos, pelos
meus olhos, uma velha desprovida
de memórias, da parábola de sua vida.

E mesmo que seja quase uma criança,
ainda há sangue entre nós:
eu passei através dela para estar aqui.
Então eu a protejo das facas,

escadas, da rua que chama
como os rios, uma convocação para ir embora,
para prosseguir. E a visto,
demonstrando como os botões funcionam,

quando por vezes ela ergue os olhos
e diz meu nome, o som chegando
como o trinado de um pássaro tão raro
que dizem já não existir mais.

Trad.: Nelson Santander

Alzheimer’s

Chairs move by themselves, and books.
Grandchildren visit, stand
new and nameless, their faces’ puzzles
missing pieces. She’s like a fish

in deep ocean, its body made of light.
She floats through rooms, through
my eyes, an old woman bereft
of chronicle, the parable of her life.

And though she’s almost a child
there’s still blood between us:
I passed through her to arrive.
So I protect her from knives,

stairs, from the street that calls
as rivers do, a summons to walk away,
to follow. And dress her,
demonstrate how buttons work,

when she sometimes looks up
and says my name, the sound arriving
like the trill of a bird so rare
it’s rumored no longer to exist.