Anastasia Taylor-Lind – “Alcoólatras não sonham” não é uma metáfora

i.

Alcoólatras não sonham não é uma metáfora

Convido papai para o jantar
já que ele está morto pode aparecer a qualquer momento

ele chega aos 36 quando se tornou meu pai
e com a idade que eu tinha quando ele morreu

coloco pra tocar a mixtape da morte de papai que meu irmão fez
para a nossa viagem até o seu funeral

nós cantamos ‘Where Do The Children Play?’, de Cat Stevens,
e fumamos uns baseados nos fundos da casa

ii

o que vai ter para o jantar?

um jogo de infância de quando ele me alimentava
de armários vazios nos fins de semana
antes da ida à cidade e ao banco

o que você quer, responde papai,
abacaxis frescos, cocos inteiros,
um cesto de tâmaras amarelas?

Eu entro no jogo; pêssegos enlatados,
cestos de merengues, bolinhos torrados
de chá e balas de um centavo

esta noite as prateleiras da minha cozinha estão abarrotadas
eu arrumo a mesa e espalhamos Camembert
em uma baguete, escavamos abacates maduros,

arrancamos tomates secos da salmoura gordurosa
lambemos óleo de laranja de nossos dedos e polegares
ninguém bebe, nenhum tremor nas mãos

iii

em um canto do campo onde cresci
os ramos de amoras pretas ergueram um muro
de espinhos ao redor do túmulo de papai

galhos de lilases se enrolaram
ao redor da porta do trailer, o musgo rastejou
sobre pilhas de garrafas de vinho vazias

usando as antigas ferramentas de papai, meu irmão e eu
cavamos sua sepultura depois de assistir a um vídeo no YouTube
sobre como cavar uma cova

cavamos com pás entre as raízes,
torrões de argila
minhas palmas sangram quanto mais fundo chegamos

o mais difícil é permanecer no buraco,
um balançando a picareta, o outro uma pá,
costas com costas até atingirmos o lençol freático

Trad.: Nelson Santander

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Alcoholics don’t dream is not a metaphor

i.

Alcoholics don’t dream is not a metaphor

I invite Dad to dinner
since he’s dead he can show up any time

he arrives at 36 when he became my father
and the age I was when he died

I play the Dad’s dead mix-tape my brother made
for our drive to his funeral

we sing Cat Stevens’s ‘Where Do The Children Play?”
and smoke roll-ups out the back door

ii

what’s for dinner?

a childhood game for when he fed me
from empty end-of-week cupboards
before the trip to town and Giro

what do you want Dad replies
fresh pineapples, whole coconuts,
a bushel of yellow dates?

I play along; tinned peaches,
meringue nests, toasted tea
cakes and penny sweets

tonight my kitchen shelves are crammed
I lay the table and we slather Camembert
onto a French stick, spoon ripe avocados,

pluck sun dried tomatoes from the fatty brine
lick orange oil from our fingers and thumbs
no one drinks, no hands tremor

iii

in a corner of the field where I grew up
blackberry briars built a wall
of thorns around Dad’s grave

lilac wrapped limbs
around the caravan door, moss crept
over piles of empty wine bottles

using Dad’s old tools, my brother and I
dug his grave after watching a YouTube video
on how to dig a grave

we pitched spade through root,
clumps of clay
my palms bled the deeper we got

the harder to stay in the hole,
one swinging pick axe, the other a shovel,
back to back until we hit the water table