Oh, pedaço de mim Oh, metade afastada de mim Leva o teu olhar Que a saudade é o pior tormento É pior do que o esquecimento É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim Oh, metade exilada de mim Leva os teus sinais Que a saudade dói como um barco Que aos poucos descreve um arco E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim Oh, metade arrancada de mim Leva o vulto teu Que a saudade é o revés de um parto A saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim Oh, metade amputada de mim Leva o que há de ti Que a saudade dói latejada É assim como uma fisgada No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim Oh, metade adorada de mim Lava os olhos meus Que a saudade é o pior castigo E eu não quero levar comigo A mortalha do amor Adeus
Intérpretes: Chico Buarque e Zizi Possi
REPUBLICAÇÃO: canção originalmente publicada na página em 13/03/2016
O homem velho deixa a vida e morte para trás Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais O homem velho é o rei dos animais
A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol As linhas do destino nas mãos a mão apagou Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock’n’roll As coisas migram e ele serve de farol
A carne, a arte arde, a tarde cai No abismo das esquinas A brisa leve traz o olor fugaz Do sexo das meninas
Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon Belezas, dores e alegrias passam sem um som Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom
Os filhos, filmes, livros, ditos como um vendaval Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual Já tem coragem de saber que é imortal
REPUBLICAÇÃO: canção publicada no blog originalmente em 12/03/2016
No dia em que fui mais feliz Eu vi um avião Se espelhar no seu olhar até sumir De lá pra cá não sei Caminho ao longo do canal Faço longas cartas pra ninguém E o inverno no Leblon é quase glacial Há algo que jamais se esclareceu: Onde foi exatamente que larguei Naquele dia mesmo O leão que sempre cavalguei? Lá mesmo esqueci Que o destino Sempre me quis só No deserto sem saudade, sem remorso só Sem amarras, barco embriagado ao mar Não sei o que em mim Só quer me lembrar Que um dia o céu Reuniu-se a terra um instante por nós dois Pouco antes do Ocidente se assombrar
Letra de Antonio Cícero
REPUBLICAÇÃO: canção originalmente publicado na página em 12/03/2016
Burocratas travestidos de poetas Sem-graças travestidos de sérios Anões travestidos de crianças Complacentes travestidos de justos Jingles travestidos de rock Estórias travestidas de cinema Chatos travestidos de coitados Passivos travestidos de pacatos Medo travestido de senso Censores travestidos de sensores Palavras travestidas de sentido Palavras caladas travestidas de silêncio Obscuros travestidos de complexos Bois travestidos de touros Fraquezas travestidas de virtudes Bagaços travestidos de polpa Bagos travestidos de cérebros Celas travestidas de lares Paisanas travestidos de drogados Lobos travestidos de cordeiros Pedantes travestidos de cultos Egos travestidos de eros Lerdos travestidos de zen Burrice travestida de citações água travestida de chuva aquário travestido de tevê água travestida de vinho água solta apagando o afago do fogo água mole sem pedra dura água parada onde estagnam os impulsos água que turva as lentes e enferruja as lâminas água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções insípida, amorfa, inodora, incolor água que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky água onde não há seca água onde não há sede água em abundância água em excesso água em palavras.
Tudo bem quando termina bem E os seus olhos, e os seus olhos não estão rasos d’água Mas eu sei que no coração ficaram muitas palavras Um vocabulário inteiro de ilusão
Tudo que viceja também pode agonizar E perder seu brilho em poucas semanas E não podemos evitar que a vida trabalhe com o seu relógio invisível Tirando o tempo de tudo que é perecível
É impossível, é impossível esquecer você É impossível esquecer o que vivi É impossível esquecer, o que senti
Tudo que morre fica vivo na lembrança Como é difícil viver carregando um cemitério na cabeça Mas antes que eu me esqueça, antes que tudo se acabe Eu preciso, eu preciso, dizer a verdade
É impossível, é impossível esquecer você É impossível esquecer o que vivi É impossível esquecer, o que senti É impossível!
Letra: Carlos Rennó; Música: Chico Brown e Pedro Luís
HINO ao Inominável
“Sou a favor da ditadura”, disse ele, “Do pau de arara e da tortura”, concluiu. “Mas o regime, mais do que ter torturado, Tinha que ter matado trinta mil”. E em contradita ao que afirmou, na caradura Disse: “Não houve ditadura no país”.
E no real o incrível, o inacreditável Entrou que nem um pesadelo, infeliz, Ao som raivoso de uma voz inconfiável Que diz e mente e se desmente e se desdiz.
Disse que num quilombo “os afrodescendentes Pesavam sete arrobas” – e daí pra mais: Que “não serviam nem pra procriar”, Como se fôssemos, nós negros, animais. E ainda insiste que não é racista E que racismo não existe no país.
Como é possível, como é aceitável Que tal se diga e fique impune quem o diz? Tamanha injúria não inocentável, Quem a julgou, que júri, que juiz?
Disse que agora “o índio está evoluindo, Cada vez mais é um ser humano igual a nós. Mas isolado é como um bicho no zoológico”, E decretou e declarou de viva voz: “Nem um centímetro a mais de terra indígena!, Que nela jaz muita riqueza pro país”.
Se pronuncia assim o impronunciável Tal qual o nome que tal “hino” nunca diz, Do inumano ser, o ser inominável, Do qual emanam mil pronunciamentos vis.
Disse que se tivesse um filho homossexual, Preferiria que o progênito “morresse”. Pruma mulher disse que não a estupraria, Porque “você é feia, não merece”. E ainda disse que a mulher, “porque engravida”, “Deve ganhar menos que o homem” no país.
Por tal conduta e atitude deplorável, Sempre o comparam com alguns quadrúpedes. Uma maldade, uma injustiça inaceitável! Tais animais são mais afáveis e gentis.
Mas quem dirá que não é mais imaginável Erguer de novo das ruínas o país?
Chamou o tema ambiental de “importante Só pra vegano que só come vegetal”; Chamou de “mentirosos” dados científicos Do aumento do desmatamento florestal. Disse que “a Amazônia segue intocada, Praticamente preservada no país”.
E assim negou e renegou o inegável, As evidências que a Ciência vê e diz, Da derrubada e da queimada comprovável Pelas imagens de satélites.
E proclamou : “Policial tem que matar, Tem que matar, senão não é policial. Matar com dez ou trinta tiros o bandido, Pois criminoso é um ser humano anormal. Matar uns quinze ou vinte e ser condecorado, Não processado” e condenado no país.
Por essa fala inflexível, inflamável, Que só a morte, a violência e o mal bendiz, Por tal discurso de ódio, odiável, O que resolve são canhões, revólveres.
“A minha especialidade é matar, Sou capitão do exército”, assim grunhiu. E induziu o brasileiro a se armar, Que “todo mundo, pô, tem que comprar fuzil”, Pois “povo armado não será escravizado”, Numa cruzada pela morte no país
E num desprezo pela vida inolvidável, Que nem quando lotavam UTIs E o número de mortos era inumerável, Disse “E daí? Não sou coveiro”. “E daí?”
“Os livros são hoje ‘um montão de amontoado’ De muita coisa escrita”, veio a declarar. Tentou dizer “conclamo” e disse “eu canclomo”; Não sabe conjugar o verbo “concl…amar”. Clamou que “no Brasil tem professor demais”, Tal qual um imbecil pra imbecis.
Vigora agora o que não é ignorável: Os ignorantes ora imperam no país (O que era antes, ó pensantes, impensável)… Quem é essa gente que não sabe o que diz?
Mas quem dirá que não é mais imaginável Erguer de novo das ruínas o país?
Chamou de “herói” um coronel torturador E um capitão miliciano e assassino. Chamou de “escória” bolivianos, haitianos… De “paraíba” e “pau de arara” o nordestino. E diz que “ser patrão aqui é uma desgraça”, E diz que “fome ninguém passa no país”.
Tal qual num filme de terror, inenarrável, Em que a verdade não importa nem se diz, Desenrolou-se, incontível, incontável, Um rol idiota de chacotas e pitis.
Disse que mera “fantasia” era o vírus E “histeria” a reação à pandemia; Que brasileiro “pula e nada no esgoto, Não pega nada”, então também não pegaria O que chamou de “gripezinha” e receitou (sim!), Sim, cloroquina, e não vacina, pro país.
E assim sem ter que pôr à prova o improvável, Um ditador tampouco põe pingo nos is, E nem responde, falador irresponsável, Por todo ato ou toda fala pros Brasis.
E repetiu o mote “Deus, pátria e família” Do integralismo e da Itália do fascismo, Colando ao lema uma suspeita “liberdade”… Tal qual tinha parodiado do nazismo O slogan “Alemanha acima de tudo”, Pondo ao invés “Brasil” no nome do país.
E qual num sonho horroroso, detestável, A gente viu sem crer o que não quer nem quis: Comemorarem o que não é memorável, Como sinistras, tristes efemérides…
Já declarou: “Quem queira vir para o Brasil Pra fazer sexo com mulher, fique à vontade. Nós não podemos promover turismo gay, Temos famílias”, disse com moralidade. E já gritou um dia: “Toda minoria Tem de curvar-se à maioria!” no país.
E assim o incrível, o inacreditável, Se torna natural, quanto mais se rediz, E a intolerância, essa sim intolerável, Nessa figura dá chiliques mis.
Mas quem dirá que não é mais imaginável Erguer de novo das ruínas o país?
Por vezes saem, caem, soam como fezes Da sua boca cada som, cada sentença… É um nonsense, é um caô, umas fake-news, É um libelo leviano ou uma ofensa. Porque mal pensa no que diz, porque mal pensa, “Não falo mais com a imprensa”, um dia diz.
Mas de fanáticos a horda lamentável, Que louva a volta à ditadura no país, A turba cega-surda surta, insuportável, E grita “mito!”, “eu autorizo!”, e pede “bis!”
E disse “merda, bosta, porra, putaria, Filho da puta, puta que pariu, caguei!” E a cada internação tratando do intestino E a cada termo grosso e um “Talquei?”, O cheiro podre da sua retórica Escatológica se espalha no país.
“Sou imorrível, incomível e imbrochável”, Já se gabou em sua tão caracterís- Tica linguagem baixo nível, reprovável, Esse boçal ignaro, rei de mimimis.
Mas nada disse de Moise Kabagambe, O jovem congolês que foi aqui linchado. Do caso Evaldo Rosa, preto, musicista, Com a família no automóvel baleado, Disse que a tropa “não matou ninguém”, somente “Foi um incidente” oitenta tiros de fuzis…
“O exército é do povo e não foi responsável”, Falou o homem da gravata de fuzis, Que é bem provável ser-lhe a vida descartável, Sendo de negro ou de imigrante no país.
Bradou que “o presidente já não cumprirá Mais decisão” do magistrado do Supremo, Ao qual se dirigiu xingando: “Seu canalha!” Mas acuado recuou do tom extremo, E em nota disse: “Nunca tive intenção (Não!) De agredir quaisquer Poderes” do país.
Falhou o golpe mas safou-se o impeachável, Machão cagão de atos pusilânimes, O que talvez se ache algum herói da Marvel Mas que tá mais pra algum bandido de gibis.
Mas quem dirá que não é mais imaginável Erguer de novo das ruínas o país?
E sugeriu pra poluição ambiental: “É só fazer cocô, dia sim, dia não”. E pra quem sugeriu feijão e não fuzil: “Querem comida? Então, dá tiro de feijão”. É sem preparo, sem noção, sem compostura. Sua postura com o posto não condiz.
No entanto “chega! […] vai agora [inominável]”, Cravou o maior poeta vivo, no país, E ecoou o coro “fora, [inominável]!” E o panelaço das janelas nas metrópoles!
E numa live de golpista prometeu: “Sem voto impresso não haverá eleição!” E praguejou pra jornalistas: “Cala a boca! Vocês são uma raça em extinção!” E no seu tosco português ele não pára: Dispara sempre um disparate o que maldiz.
Hoje um mal-dito dito dele é deletável Pelo Insta, Face, YouTube e Twitter no país. Mas para nós, mais do que um post, é enquadrável O impostor que com o posto não condiz.
Disse que não aceitará o resultado Se derrotado na eleição da nossa história, E: “Eu tenho três alternativas pro futuro: Ou estar preso, ou ser morto ou a vitória”, Porque “somente Deus me tira da cadeira De presidente” (Oh Deus proteja esse país!”).
Tivéssemos um parlamento confiável, Sem x comparsas seus cupinchas, cúmplices, E seu impeachment seria inescapável, Com n inquéritos, pedidos, CPIs.
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Não há cortina de fumaça indevassÁvel Que encubra o crime desses tempos inci-vis E tampe o sol que vem com o dia inadiÁvel E brilha agora qual farol na noite gris. É a esperança que renasce onde HÁ véu, De um horizonte menos cinza e mais feliz. É a passagem muito além do instagramÁvel Do pesadelo à utopia por um triz, No instante crucial de liberdade instÁvel Pros democráticos de fato, equânimes, Com a missão difícil mas realizável De erguer das cinzas como fênix o país.
E quem dirá que não é mais imaginável Erguer de novo das ruínas o país?
Mas quem dirá que não é mais imaginável Erguer de novo das ruínas o país?