Patrick Kavanagh – Raglan Road

Na Raglan Road1, em um dia de outono, uma vez a conheci e sabia
Que suas mechas escuras lançariam uma urdidura que me apanharia;
Eu enxerguei o perigo, mas continuei pela viela encantada,
E disse: que a aflição seja uma folha no chão ao despontar da alvorada.

Na Grafton Street, em novembro, caminhamos com leveza pelo beiral
Da grota profunda de onde se vê o valor da promessa da paixão,
A Rainha de Copas que ainda faz suas tortas e eu que não faço nada2
Oh, eu amei tanto, e assim, e portanto, a felicidade foi descartada.

Eu lhe dei os dons da mente, eu lhe dei o secreto sinal só conhecido
Pelos artistas que conviveram com os deuses da pedra e do ruído,
Do verbo e da matiz. Assim o fiz, dei-lhe poemas para recitar.
Com seu próprio nome e seus cabelos escuros como nuvens pelo ar,

Em uma rua calma onde velhas almas se encontram, eu a vejo ir
Para longe de mim tão rapidamente que a razão deve admitir
Que eu não cortejei, eu sei, um ser feito de barro, como deveria –
Quando o anjo flerta com o barro, ele desperta sem asas n’outro dia.

Trad.: Nelson Santander

Mais do que uma leitura, uma experiência. Clique, compre e contribua para manter a poesia viva em nosso blog

N. do T.:

1. “On Raglan Road” foi inspirado no tema clássico do amor não correspondido, baseado na experiência do poeta Patrick Kavanagh com uma jovem estudante de medicina chamada Hilda Moriarty. Kavanagh encontrou Moriarty enquanto caminhava pela Raglan Road, em Dublin (Irlanda), onde residia. Apesar da diferença de idade entre os dois (ele tinha 40 anos e ela 22), Kavanagh se apaixonou profundamente, enquanto Moriarty não compartilhava seus sentimentos. O poema foi inicialmente publicado no jornal “The Irish Press”, em 3 de outubro de 1946, sob o título “Dark Haired Miriam Ran Away”. Mais tarde, Kavanagh musicou o poema com uma melodia de uma antiga canção folclórica irlandesa chamada “The Dawning of the Day”. A música foi interpretada por Luke Kelly, do renomado grupo irlandês The Dubliners, e popularizou-se internacionalmente como “On Raglan Road”. Tanto o poema quanto a canção deixaram uma marca profunda na consciência cultural irlandesa e global. Em 2019, a obra foi oficialmente canonizada como a ‘Canção Folclórica Favorita da Irlanda’ em uma pesquisa realizada pela RTÉ. Para mais detalhes sobre o poeta e sua obra mais famosa, consulte o artigo publicado online pelo jornal irlandês The Journal, em 26/12/2019.

2. “A Rainha de Copas que ainda faz suas tortas” (“The Queen of Hearts still making tarts”) pode ser interpretado como uma referência à fábula infantil “Alice no País das Maravilhas”, onde a Rainha de Copas é conhecida por fazer tortas, o que pode simbolizar a rotina mundana ou trivial da vida cotidiana. “I not making hay” pode ser uma referência à expressão “make hay while the sun shines” (fazer feno enquanto o sol brilha), que, em livre tradução, significa aproveitar as oportunidades enquanto elas estão disponíveis. Por isso, traduzi esta linha por “e eu que não faço nada”. Nesse contexto, “não fazer feno” pode sugerir que o eu lírico não está aproveitando essas oportunidades ou não está agindo de acordo com as expectativas.

On Raglan Road

On Raglan Road on an autumn day I met her first and knew
That her dark hair would weave a snare that I might one day rue;
I saw the danger, yet I walked along the enchanted way,
And I said, let grief be a fallen leaf at the dawning of the day.

On Grafton Street in November we tripped lightly along the ledge
Of the deep ravine where can be seen the worth of passion’s pledge,
The Queen of Hearts still making tarts and I not making hay —
O I loved too much and by such and such is happiness thrown away.

I gave her gifts of the mind I gave her the secret sign that’s known
To the artists who have known the true gods of sound and stone
And word and tint. I did not stint for I gave her poems to say.
With her own name there and her own dark hair like clouds over fields of May

On a quiet street where old ghosts meet I see her walking now
Away from me so hurriedly my reason must allow
That I had wooed not as I should a creature made of clay –
When the angel woos the clay he’d lose his wings at the dawn of day.