José Infante – Esquecimento ou desmemoria?

Nunca se apagarão de tua memoria os olhos de tua mãe
perdidos na ausência do presente, buscando
com angústia no passado a menina que foi,
desamparada e órfã, aos cuidados de uma tia
desnaturada e cruel que jamais ocupou o lugar
da mãe morta na juventude por um tumor
inominável.
Mas os olhos de mamãe
não encontravam ninguém em sua busca incessante.
Algum nome perdido, o pânico refletido
da solidão nas pupilas cegas.
Foi o Alzheimer que te levou ao esquecimento
ou preferias anular uma vida tão dura
e generosa, sempre dedicada aos outros
sem nunca pensar na tua felicidade ou no teu descanso?

Mais de cinco anos já se passaram, mas teus olhos
vazios de expressão, viajando ao passado
que quiseste apagar, seguem diante
de mim, como uma imagem congelada, que nunca
chegará a tornar-se sépia.
O tempo não passa
por essa imagem aterradora e final, quando
o ar te abandonou definitivamente e o coração
cansado deixou de bater, depois de uma interminável
agonia, que nenhum de nós
conseguimos deter e que lembro
com espanto e, às vezes, como o temido
presságio de minha própria morte.
Tentarei,
como tu, me perder na desmemoria
que é o esquecimento desejado? Ou será essa forma
deliberada de estar ausente da vida
que virá logo habitar comigo?

Trad.: Nelson Santander

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¿Olvido o desmemoria?

Nunca se borrarán de tu memoria los ojos de tu madre
perdidos en la ausencia del presente, buscando
con angustia en el pasado a la niña que fue,
desamparada y huérfana, a cargo de una tía
desnaturalizada y cruel que jamás ocupó el lugar
de la madre muerta en la juventud de un tumor
innombrable.
Pero los ojos de mamá
no encontraban a nadie en su incesante búsqueda.
Algún nombre perdido, el pánico reflejado
de la soledad en las pupilas ciegas.
¿Fue el Alzheimer lo que te llevó al olvido
o preferías anular una vida tan dura
y generosa, siempre entregada a los otros
sin pensar jamás en tu felicidad o en tu descanso?

Ha pasado ya más de un lustro, pero tus ojos
vacíos de expresión, viajando al pasado
que habías querido borrar; siguen delante
en mí, como una foto fija, que nunca
se llegará a poner sepia.
No pasa el tiempo
por esa imagen aterradora y final, cuando
el aire te faltó definitivamente y eI corazón
cansado dejó de latir, después de una agonía
interminable, que ninguno de nosotros
logramos detener y que recuerdo
con espanto y a veces como el temido
presagio de mi propia muerte.
¿Intentaré
perderme, igual que tu, en Ia desmemoria
que es el olvido deseado? ¿O será esa forma
deliberada de estar ausente de la vida
la que vendrá pronto a habitar conmigo?

José Infante – Não sei se é um sonho

Aparece, sempre aparece, quando menos o esperas.
Imaginas que morreste e, no entanto, quem se levanta
todos os dias em teu próprio leito, depois das insônias
e dos pesadelos, és tu mesmo, que por alguma razão
que não entendes continuas vivo, como em um filme
de Coixet1, minha vida sem mim, ou a vida secreta
das palavras, que são agora a única coisa que tens.
Sempre aparece, aquele fútil fantasma que atende
pelo teu nome, e se comporta com certa naturalidade
e independência. Outros diriam sensatez. Tu
sabes, somente tu, que é falsa essa vida que o personagem finge,
que vai e que vem e que às vezes não atende ao telefone
dos amigos, se é que algum liga, para que pensem
que morreu. A verdade é conhecida apenas por ti, mas o outro,
que não és tu, mas pode parecer, tem vida própria,
às vezes se comporta como tu antes de morrer,
e pode até ser brilhante em uma conversa
banal ou talvez em um jantar formal.
Tu o conheces porque é tu mesmo
quando ainda estavas vivo e circulavas pela cidade,
tomavas o metrô, ias ao cinema,
escrevias em fotologs e comentavas, sempre com acidez,
tua vida e a vida do mundo dos outros. Agora eles
creem que ainda estás vivo, mas tu sabes
a verdade: já faz muito tempo
que morreste, embora
alguém com o mesmo corpo que o teu ainda habite
tua casa, mal se alimente e espere, sempre espere
que a dignidade o impeça de morrer de velhice,
sem memória, como um brinquedo quebrado e inútil
que o tempo pisoteia e abandona.

Trad.: Nelson Santander

  1. Isabel Coixet é uma renomada diretora e roteirista espanhola, conhecida por seu estilo intimista e introspectivo. Seus filmes frequentemente exploram temas de solidão, identidade e comunicação, o que se alinha com a reflexão profunda e melancólica do eu lírico no poema. ↩︎

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No sé si será un sueno

Acude, siempre acude, cuando menos lo esperas.
Imaginas que has muerto y sin embargo el que se levanta
cada día en tu propio lecho, después de los insomnios
y de las pesadillas, eres tú mismo, que por alguna razón
que no entiendes sigues vivo, como en una película
de la Coixet, mi vida sin mí, o la vida secreta
de las palabras, que son ahora lo único que tienes.
Siempre acude ese vano fantasma que atiende
por tu nombre y se comporta con cierta naturalidad
e independencia. Otros dirían cordura. Tú
sabes, solo tú, que es mentira esa vida que finge el personaje,
que va y que viene y que a veces no coge el teléfono
a los amigos, si es que alguno llama, para que crean
que ha muerto. La verdad solo la sabes tú, pero el otro,
que no eres tú, pero puede parecerlo, tiene vida propia,
a veces se comporta como tú antes de morir,
y puede ser hasta brillante en una conversación
banal o acaso en una cena de compromiso.
Tú lo conoces porque eres tú mismo
cuando aún estabas vivo y paseabas por la ciudad,
tomabas el metro, acudías a las salas de cine,
escribías en fotologs y comentabas, siempre con acidez,
tu vida y la vida del mundo de los otros. Ahora ellos
creen que aún sigues vivo, pero tú sabes
la verdad: hace ya mucho tiempo
que te has muerto, a pesar que todavía
alguien con tu mismo cuerpo sigue habitando
tu casa, apenas se alimenta y espera, siempre espera
que la dignidad le impida morir de viejo,
sin memoria? como un juguete roto e inservible
que el tiempo pisotea y abandona.

José Infante – Remorsos ao iniciar um novo ano

Já pensaste algumas vezes que talvez foste tu
quem não amaste ninguém, ou talvez não
o suficiente para que não te deixassem
abandonado pelo mundo, como um fantasma errante?
Pensavas que sempre foste generoso,
mas agora te perguntas se na verdade não foste
possessivo, ciumento, desconfiado e sufocante.
Acreditaste que o amor era para ti a única entrega,
o único sentimento que guiava tua vida,
a única razão de tua existência, o motivo
e a raiz que iluminava tudo o que fazias,
desde o cuidado da casa até o das as palavras,
os silêncios nos quais às vezes te encerravas de forma
repentina e que só pensavas serem amor também,
inexprimível. Uma forma absurda de adoração.
O que fizeste de errado ou em que te equivocaste?
Ou foi o destino que jogou contigo uma partida
cruel e destruidora? Olhas para trás, agora que
começa um novo ano e ficas igualmente tentado
a fazer um balanço completo do tempo que passou.
Dentro de ti queres crer que teus erros, todos,
foram produtos apenas do amor, que não conseguias
manter a teu lado, por mais que tenhas tentado.
Erros que eram produto do inefável
que te impedia de expressar todo o sentimento
de teu coração e de teu próprio corpo. Agora duvidas disso.
Neste mês de janeiro de dois mil e dez, aos 63 anos
de tua triste existência, acodem remorsos
urgentes, que te acossam e impregnam teu ânimo.
Cada dia de tua vida de velho fracassado.
Talvez tenhas amado a ti mesmo mais do que o que a vida
tão generosamente te ofereceu. Ou não percebeste,
perdido como sempre estiveste em um escuro labirinto
que só conduz ao inferno e ao nada.

Trad.: Nelson Santander

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Remordimientos al comenzar un año

¿No has pensado algunas veces que quizás fuiste tú
quien no quisiste a nadie, o tal vez no
lo suficientemente para que no te dejaran
abandonado por el mundo, como fantasma errante?
Tú pensabas que siempre fuiste generoso,
pero ahora te preguntas si en realidad no fuiste
posesivo, celoso, desconfiado y agobiante.
Has creído que el amor fue para ti la única entrega,
el único sentimiento que guiaba tu vida,
la única razón de tu existencia, el motivo
y la raíz que iluminaba todo lo que hacías,
desde el cuidado de la casa hasta el de las palabras,
los silencios en los que a veces te encerrabas de forma
repentina y que solo pensabas que eran amor también,
inexpresable. Una manera absurda de adoración.
¿Qué hiciste mal o en qué te equivocaste?
¿O fue el destino quien jugó contra ti una partida
cruel y destructora? Miras atrás, ahora que comienza
de nuevo un año y tienes la misma tentación
de hacer un balance total del tiempo que ha pasado.
Dentro de ti quieres creer que tus errores, todos,
fueron producto tan solo del amor, que no lograbas
retener a tu lado, por más que lo intentaste.
Errores que eran producto de lo inefable
que te impedía expresar el sentimiento entero
de tu corazón y de tu propio cuerpo. Ahora lo dudas.
En este mes de enero de dos mil diez, a los 63
de tu triste existencia, acuden remordimientos
urgentes, que te acosan y que impregnan tu ánimo.
Cada día de tu vida de viejo fracasado.
Talvez te quisiste a ti mismo más que a lo que la vida
tan generosamente te ofrecía. O no te diste cuenta,
perdido como has estado siempre en un oscuro laberinto
que tan solo conduce al infierno y a la nada.

José Infante – Corpo estranho

Corpo Estranho

Para Rafael Inglada,
Ele sabe por quê.

Como é lógico e natural que aconteça,
meu corpo vem mudando ao ritmo
implacável dos anos. Rugas, flacidez,
deterioração total por todos os lados, os olhos apagados
e sem brilho. E no olhar opaco nada
que anteveja o futuro. É estranho
este corpo que agora arrasto todos os dias
e cujo passo se torna cada vez mais lento
e sem destino. Não há nada esperando por mim.
Meu corpo, velho companheiro, o sabe,
e compartilha minha desilusão e minhas misérias.
Já não o reconheço. Nada nele é familiar
e antigo. Parece um corpo novo
mas desfeito e desgastado como se fosse
velho. Talvez ele seja mais velho do que eu.
Cheguei irremediavelmente à velhice,
embora por dentro me sinta mais jovem
do que os anos que completei
com uma precisão impressionante e pontual.
E me parece igualmente estranho e desconcertante
ter me tornado mais velho que meu pai,
que morreu aos sessenta e dois. Qual é
realmente o corpo que me abriga?
O deteriorado e velho ou o que jaz dentro dele,
ainda com a curiosidade e o coração despertos?
Em nenhum deles me encontro. Tudo parece estranho.
Alheio já à vida, que arrasto com desgosto
em direção a um outro corpo, que será o meu cadáver
transformado em cinzas e fumaça
espalhada entre as ondas dos mares.

Trad.: Nelson Santander

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Cuerpo Extraño

A Rafael Inglada,
Él sabe por qué.

Como es lógico y natural que ocurra
mi cuerpo ha ido cambiando al paso
implacable de los años. Arrugas, flacidez,
deterioro total por todas partes, los ojos apagados
y sin brillo. Y en la mirada opaca nada
que presienta el futuro. Es extraño
este cuerpo que ahora aûastro cada día
y cuyo paso se hace cada vez más lento
y sin destino. No hay nada que me espere.
Mi cuerpo, antiguo compañero, lo sabe
y comparte mi desazón y mis miserias.
Ya no lo reconozco. Nada en él es familiar
y antiguo. Parece un cuerpo nuevo
pero deshecho y desgastado como si fuera
viejo. Tal vez sea más viejo que yo.
Llegué ya sin remedio hasta la ancianidad,
aunque dentro de mí me sienta más joven
que los años que he cumplido
con una precisión abrumadora y puntual.
Y me parece igualmente raro y desconcertante
haber llegado a ser más viejo que mi padre,
que murió a los sesenta y dos. ¿Cuál es
en realidad el cuerpo que me alberga?
¿El deteriorado y viejo o el que yace dentro de él,
aún con la curiosidad y el corazón despierto?
En ninguno me encuentro. Todo parece extraño.
Ajeno ya aIa vida, que arrastro con desgana
hacia otro cuerpo que será mi cadáver
convertido en ceniza y en humo
esparcido entre las olas de los mares.

José Infante – A ausência

Ali estão eles. Povoam
meus dias, preenchem minhas noites
com seus corpos distantes.
Não preciso chamá-los pelos nomes.
Estão ali. Sinto-os como eram,
belos, jovens, desejados,
infiéis ao sagrado juramento
do amor.

Eles formam a ausência
que envolve as paredes,
que reveste minha alma,
que se expande como o magma
implacável de meus dias.

Eles foram minha vida. Foram
a vida e agora retornam
à medida que a vida se afasta
de minhas mãos.

Não confundo
seus olhos, nem suas vozes.
Não confundo suas mãos, suas carícias,
nem o aroma de seus corpos.

Mas quando chega a noite
apenas um fantasma aparece:
o da ausência do amor
que usou seus corpos e seus nomes
para me iludir com a felicidade.

Trad.: Nelson Santander

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La Ausencia

Ellos están ahí. Pueblan
mis días, llenan mis noches
con sus cuerpos lejanos.
No necesito llamarles por sus nombres.
Están ahí. Los siento, como fueron,
hermosos, jóvenes, deseados,
infieles al juramento sagrado
del amor.

Ellos forman la ausencia
que envuelve las paredes,
que recubre mi alma,
que se expande como el magma
sin tregua de mis días.

Ellos fueron mi vida. Fueron
la vida y ahora vuelven
cuando la vida se aleja
de mis manos.

No confundo
sus ojos, ni sus voces.
No confundo sus manos, sus caricias,
ni el olor de sus cuerpos.

Pero cuando llega la noche
sólo un fantasma acude:
es la ausencia del amor
que utilizó sus cuerpos y sus nombres
para engañarme con la felicidad.

José Infante – [A morte é definitivamente o fim]

A morte é definitivamente o fim, por mais
que nos tentem enganar com cânticos,
com hinos, com orações e salmos.
A morte é o fim e é justo
que seja assim. Que não haja
recompensas nem punições. Somente
que nos deixem perdermo-nos no nada,
de onde viemos sem ter sido
previamente convidados.

Trad.: Nelson Santander

[La muerte sí es el final]

La muerte sí es el final por mucho
que intenten engañarnos con canciones,
con himnos, con plegarias y salmos.
Es la muerte el final y es justo
que así sea. Que no existan
ni premios ni castigos. Solamente
que nos dejen perdernos en la nada,
desde donde vinimos sin haber sido
previamente invitados.