Ellen Bryant Voigt – Prática

Chorar sem querer, acordar
à noite só para chorar, esperar
que o ponteiro do relógio
trema outra vez, empurrando
o dia dormente adiante —

será isso apenas prática?
Alguns creem no céu,
outros no descanso. Nós flutuaremos,
você disse. Depois
flutuaremos entre dois mundos —

cinco besouros de bronze
encaixados como colheres em uma
peônia, inebriados de desejo:
se eu voltasse como pássaro,
lembraria disso —

até que todos que amamos
estejam a salvo — foi o que você disse.

Trad.: Nelson Santander

Practice

To weep unbidden, to wake
at night in order to weep, to wait
for the whisker on the face of the clock
to twitch again, moving
the dumb day forward—

is this merely practice?
Some believe in heaven,
some in rest. We’ll float,
you said. Afterward
we’ll float between two worlds—

five bronze beetles
stacked like spoons in one
peony blossom, drugged by lust:
if I came back as a bird
I’d remember that—

until everyone we love
is safe is what you said.

Ellen Bryant Voigt – A cúspide

Tão poucos pássaros — os que passam o inverno
e os gansos migrando pelos campos vazios,
atravessando as hastes retorcidas de milho cortado:
ao nosso redor, tudo o que é verde é suprimido,
e na melancólica floresta, as árvores nuas,
despidas de folhas ou quase sem elas,
formam uma morada sombria entre nuvens baixas
que têm o aspecto de neve obstinada.

Em um exercício puramente científico —
digamos que você veio da lua, ou, como
Lázaro, retornou piscando da caverna —
você não saberia se o inverno já passou ou se está apenas começando.
A margem se eleva, a margem desce em direção à vala.
Seria útil se eu dissesse que o luto tem um fim?
Faria diferença se eu dissesse que estamos na primavera?

Trad.: Nelson Santander

The Cusp

So few birds—the ones that winter through
and the geese migrating through the empty fields,
fording the cropped, knuckled stalks of corn:
all around us, all that’s green’s suppressed,
and in the brooding wood, the bare trees,
shorn of leaves or else just shy of leaves,
make a dark estate between low clouds
that have the look of stubborn snow.

In a purely scientific exercise—
say you came from the moon, or returned
like Lazarus, blinking from the cave—
you wouldn’t know if winter’s passed or now beginning.
The bank slopes up, the bank slopes down to the ditch.
Would it help if I said grieving has an end?
Would it matter if I told you this is spring?