Não adianta o rio lhe ofertar um espelho,
se ele não sabe de quem é a imagem
que o espelho reflete. Se ele pensa que a sua
imagem n’água é a de um outro hipopótamo.
A paisagem por volta tem algo de bíblico
pois é a água da criação, ainda viva,
como no primeiro dia. As árvores folhudas
guardam segredos a ninguém, jamais, contados.
São árvores virgens fotograficamente.
Milhões de borboletas voam em redor
da estrela diurna, as flores são douradas bocas
de uma lúbrica, gigantesca primavera.
Um céu vestido de azul-rei (mal brilha a alva),
completa a inenarrável beleza das coisas.
E eis que, foto-potamo-gráfico, o hipopótamo
emerge dágua e vem, rombudo, estragar tudo.
Tudo parecia em ordem, o céu pernalta,
as aves egípcias, os troncos que simulam
primitivas colunas de algum templo, a lisa
epiderme do rio enrolado na cauda.
Sim, o rio e as demais serpentes que aí moram
dormiam tranquilos, quando a enorme figura
do hipopótamo perturbou tudo e agitou
as cores, e inda fez as borboletas voarem,
elétricas, e as garças gritarem no abismo.
Porém ele, na glória de sua inconsciência,
nem sabe que desfez a alegria das coisas.
Pensa que tudo é festa e a natureza o aplaude.
Até que volta a calma e se refaz o espelho
maravilhoso. Mas, que adianta o espelho
se o que ele quer é a lama? se ele pensa que a sua
imagem n’água é de um outro hipopótamo?
REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 26/03/2016