Sharon Olds – Transformações

O irmão dela se tornou médico, como o pai.
Eu ia à casa dela todos os dias, depois da escola,
e me sentava em sua cama. Ela estava doente, mas não contagiosa.
Eu não sabia de nada. Não sabia
que a avó dela estava morta — a mãe de seu pai —
e que sua mãe também havia morrido, por causa da tinta
com chumbo que elas borrifaram no pinheiro, na garagem
fechada, e que minha amiga, com seus cabelos perfeitamente lisos e
esverdeados, como a pátina
sobre cabeças de anjos antigos, estaria morta em uma semana,
ou menos, nenhuma criança no funeral.
Então o pai dela veio à nossa escola, e as meninas da nossa
classe foram à sala do Diretor, para onde
eu tinha sido enviada, muitas vezes, para me deitar
na enfermaria, porque eu eu era tão
malcomportada que achavam que eu era louca. Ele deu
uma de suas bonecas de contos de fadas para cada
uma das meninas da classe — o médico que havia
perdido a mulher, a mãe e a filha
em uma semana. Então ele enfiou a mão na sacola, tirou sua
melhor boneca, murmurou algo,
e a deu para mim. Eu me senti mal por me sentir
orgulhosa, e agora me assola um estranho
medo — há quanto tempo éramos
melhores amigas antes de ela morrer? Anos,
eu acho, mas tenho certeza de que era ela
que me queria lá todos os dias,
ou era eu que queria estar lá? Eram
as duas coisas. Eu dormia com aquela boneca — embora seus pés
e mãos de plástico fossem dolorosos, e sua saia
de tule ressecada arranhasse — até que minha mãe
se mudou, e a caixa com minhas coisas se perdeu,
como minha querida, eu nem estava lá quando ela desapareceu.

Trad.: Nelson Santander

OLDS, Sharon Balladz. New York: Alfred A. Knopf, 2022. p. 235

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Transformations

Her brother became a doctor, like their father.
I would walk to her house every day, after school,
and sit on her bed. She was sick, but not catching.
I knew nothing. I didn’t know
her grandma was dead—her father’s mother—
and her mother was dead, too, from the lead
paint they had sprayed the fir with in the closed
garage, and my friend, her hair dead-straight and
greenish, like tarnish on old paint
on angels’ heads, would be dead in a week
or so, no children at the funeral.
Then her father came to our school, and the girls in our
class went to the Principal’s, where
I had been sent, often, to lie down
in the Nurse’s Office, because I was so
bad they thought I was crazy. He gave
one of her Storybook Dolls to each
of the girls in her class—the doctor who had
lost his wife, his mother, his daughter,
in a week. Then he reached into the bag, and brought out
her best doll, and said something,
and gave it to me. I felt bad that I felt
proud, and now a strange fear
comes to me—how long had we been
best friends before she died? Years,
I think, but am I sure it was she
who wanted me there every day
or I who wanted to be there. It was
both. I slept with that doll—though her plastic
feet and hands were painful, and her parched
net skirt scratched—until my mother
moved, and my box of things was lost,
like my darling, I had not even been there when she vanished.

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