Em noites de inverno, os mortos
veem suas fotografias escorregarem
das abas das carteiras,
e suas cartas serem jogadas numa caixa
junto com as roupas para doação.
Ninguém se lembra de suas piadas,
dos tiques nervosos, do medo
de lugares fechados.
Nesses pesadelos, os mortos sentem
a ponta macia de uma borracha
apagando seus ossos. Eles despertam
em pânico, vão pegar um copo de leite
e veem a lua, a neve fresca,
as árvores despojadas.
Talvez preparem um sanduíche de peru,
ou assistam aos padrões no televisor.
É tudo um sonho de qualquer modo.
Em alguns meses,
os relógios serão adiantados*, e quando
os mortos dormirem saberão que os vivos
estão de luto por eles, insuportavelmente sós
e indiferentes à beleza. Nessas noites
os mortos se sentem melhor. Levantam-se
de manhã e quando as flores
cortadas são depositadas diante de seus nomes,
eles sorriem como noivas tímidas. Obrigado,
Obrigado, dizem. Não precisava,
dizem, mas muito baixinho, de modo que soa
como o vento, como nada humano.
Trad.: Nelson Santander
- Refere-se ao ajuste dos relógios para o horário de verão, quando se adianta uma hora para aproveitar melhor a luz do dia durante a primavera e o verão. No poema, é um marcador de passagem do tempo, indicando que alguns meses se passaram desde a morte. A mudança de horário também representa uma mudança na vida dos vivos. O mundo continua girando, as estações mudam, a vida segue em frente, o que contrasta vividamente com a existência estática dos mortos. ↩︎
What the Dead Fear
On winter nights, the dead
see their photographs slipped
from the windows of wallets,
their letters stuffed in a box
with the clothes for Goodwill.
No one remembers their jokes,
their nervous habits, their dread
of enclosed places.
In these nightmares, the dead feel
the soft nub of the eraser
lightening their bones. They wake up
in a panic, go for a glass of milk
and see the moon, the fresh snow,
the stripped trees.
Maybe they fix a turkey sandwich,
or watch the patterns on the TV.
It’s all a dream anyway.
In a few months
they’ll turn the clocks ahead,
and when they sleep they’ll know the living
are grieving for them, unbearably lonely
and indifferent to beauty. On these nights
the dead feel better. They rise
in the morning, and when the cut
flowers are laid before their names
they smile like shy brides. Thank you,
thank you, they say. You shouldn’t have,
they say, but very softly, so it sounds
like the wind, like nothing human.
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