Lewis Carroll – Jaguadarte

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

“Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Felfel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassurra!”

Ele arrancou sua espada vorpal
E foi atrás do inimigo do Homundo.
Na árvora Tamtam ele afinal
Parou, um dia, sonilundo.

E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, ôlho de fogo,
Sorrelfiflando através da floresta,
E borbulia um riso louco!

Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!
Cabeça fere, corta, e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.

“Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!”
Êle se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

Trad.: Augusto de Campos

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Jabberwocky

Lewis Carroll

‘Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

“Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!”

He took his vorpal sword in hand:
Long time the manxome foe he sought—
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.

And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!

One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.

“And hast thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!”
He chortled in his joy.

‘Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

Shirley Jackson – A Assombração na Casa da Colina (excerto)

“NENHUM ORGANISMO vivo pode existir com sanidade por longo tempo em condições de realidade absoluta; até as cotovias e os gafanhotos, pelo que alguns dizem, sonham. A Casa da Colina nada sã, erguia-se solitária em frente de suas colinas, agasalhando a escuridão em suas entranhas; existia há oitenta anos e provavelmente existiria por mais outros oitenta. Por dentro, as paredes continuavam eretas, os tijolos aderiam precisamente a seus vizinhos, os soalhos eram firmes e as portas se mantinham sensatamente fechadas; o silêncio cobria solidamente a madeira e a pedra da Casa da Colina, e o que por lá andasse, andava sozinho.”

Primeiro (e primoroso) parágrafo daquele que é considerado o melhor livro sobre casas assombradas de todos os tempos. Esse parágrafo também poderia figurar como um dos melhores parágrafos inaugurais já escritos em uma obra literária.

Cassiano Ricardo – Jogo de Xadrez

1

Não posso, sem remorso,
ver uma criatura dormindo.

Tão sincera, dá-se tanto

(tão f o t o g ê n i c a-
m e n t e)
que me arrependo de não
lhe haver sido mais puro
quando falávamos, há pouco.

A morte, se igual ao sono,
absolvido, já, da luta,
deverá ser a sinceridade
(absoluta)

2

Não posso, sem reexame
de mim mesmo, ver o amigo
de costas para mim
( d e s p r e v e n i d o )
sem saber que o estou
vendo.
E que eu – se um traidor –
pelo acaso das coisas
opostas,
bem poderia agredir
(pelas costas)

3

Não posso, sem certa
saudade de quem os possui,
ver os objetos que Circe
deixa (colar, anágua,
blusa)
longe do seu corpo
ao despir-se
(hábito) depois do passeio.
E deixará na casa
já des(h)abitada,

saudade de uma criatura
presente
através dos objetos que
ela usa
(colar, anágua, blusa)

4

Sinto-me vário e involun-
tário.

A ciência quebra os vidros
das janelas.
Joga-me num azul-físico
dissoluto.
Árvore, joga ao chão seu
fruto.

Última alternativa:
ser eu, egoísta e áspero,

ou
(por automação)
uma lesma
que se fez pássaro?

5

Só os indiferentes
moram atrás do espelho.

Richard Rorty – O Fogo da Vida

Tradução por Igor de C. e S.C.

(Publicado originalmente em Poetry Foundation, o pequeno ensaio foi o último publicado durante a vida do filósofo norte
americano Richard Rorty (1931 – 2007).)

Em um ensaio chamado “Pragmatismo e Romantismo” tentei revalidar o argumento de “Defesa da Poesia”, de Shelley. No coração do romantismo, eu disse, estava a tese de que a razão só pode seguir caminhos que a imaginação já desbravou. Sem palavras, não há deliberação racional. Sem imaginação, não há palavras novas. Sem essas palavras, não há progresso moral ou intelectual.

Terminei o ensaio com um contraste da habilidade do poeta de nos prover de uma linguagem mais rica com a tentativa do filósofo de adquirir um acesso não linguístico ao verdadeiramente real. O sonho de Platão de um acesso desse tipo era, em si, uma conquista largamente poética. Mas, à época de Shelley, argumentei, ele havia se desgastado. Agora estamos mais aptos do que Platão estava em reconhecer nossa própria finitude – em admitir que nós nunca estaremos em contato com algo maior que nós mesmos. Esperamos, em contrapartida, que a vida humana aqui na terra se enriqueça conforme os séculos passam, porque a linguagem usada por nossos descendentes remotos terá mais recursos do que a nossa teve. Nosso vocabulário estará para o deles assim como o de nossos ancestrais primitivos está para o nosso.

Nesse ensaio, e também em escritos anteriores, eu empreguei “poesia” em um sentido estendido. Eu ampliei o termo “poeta forte”, de Harold Bloom, para que ele cobrisse escritores de prosa que haviam inventado novos jogos de linguagem para jogarmos – pessoas como Platão, Newton, Marx, Darwin e Freud, bem como mestres do verso como Milton e Blake.

Esses jogos podem envolver equações matemáticas, ou argumentos indutivos, ou narrativas dramáticas, ou (no caso dos mestres do verso) inovação prosódica. Mas a distinção entre prosa e verso era irrelevante para meus objetivos filosóficos. Pouco após terminar “Pragmatismo e Romantismo”, fui diagnosticado com um câncer pancreático inoperável. Alguns meses após receber as más notícias, eu estava tomando café com meu filho mais velho e um primo que me visitava. Meu primo  (que é um ministro da igreja batista) perguntou-me se eu percebera meus pensamentos se direcionando para assuntos religiosos, ao que respondi negativamente. “Bom, e quanto à filosofia?”, meu filho perguntou. “Não”, eu respondi, nem a filosofia que eu havia escrito, tampouco aquela que eu havia lido pareciam dizer respeito à minha própria situação. Eu não tinha qualquer problema com o argumento de Epicuro de que é irracional temer a morte, nem com a sugestão de Heidegger que a ontoteologia se origina em uma tentativa de escapar à nossa mortalidade. Mas também nem ataraxia (liberdade de perturbações), nem Sein zum Tode (ser para a morte) pareceram estar em questão.

“Nada do que você leu teve qualquer uso?” meu filho persistiu. “Sim”, deixei escapar, “poesia”. “Quais poemas?”, ele  perguntou. Citei duas velhas castanhas que eu havia desencavado da memória, e que estranhamente estavam me ajudando, em sua maioria linhas de “Jardim de Proserpine”, de Swinburne:

Por muito amor à vida, 
Do medo e fé libertos, 
Damos graças devidas 
A uns deuses incertos: 
Que as vidas se extingam, 
Que os mortos não se ergam; 
Que os rios que serpenteiam, 
Ao mar cheguem decerto. 

E “Em Seu Septuagésimo Quinto Aniversário”, de Landor:

Não lutei com ninguém; nada valia a lida,
Amei a Natureza, e, tanto quanto, a Arte;
As mãos, essas aqueci no fogo da vida
Que naufraga: estou pronto para o desate.

Encontrei conforto nesses lentos meandros e nessas brasas gaguejantes. Suspeito que nenhum efeito comparável pudesse ter sido produzido por prosa. Não só o pictórico, mas também rima e ritmo eram necessários para realizar o serviço. Em linhas como essas, todos os três conspiram para produzirem um grau de compressão, e de impacto, então, que apenas o verso pode alcançar. Comparada às investidas moldadas pelos versificadores, mesmo a melhor prosa é um tiro disperso.

Ainda que vários pedaços de verso tenham sido muito significativos para mim em momentos particulares de minha vida, nunca fui capaz de escrever algo eu mesmo (exceto os sonetos que rascunhava durante tediosas reuniões de departamento – uma forma de rabiscar). Tampouco acompanho o trabalh de poetas contemporâneos. Quando leio versos, geralmente são preferidos os da adolescência. Suspeito que minha relação ambivalente com a poesia, nesse senso mais estrito, é resultado de complicações edípicas, oriundas de ter um poeta como pai. (Ver James Rorty, Children of the Sun (Macmillan, 1926)).

De qualquer modo que tenha sido, agora gostaria de ter passado mais tempo da minha vida com verso. Isso não se dá porque temo ter deixado escapar verdades que são informuláveis na prosa. Não existem essas verdades; não há nada sobre a morte que Swinburne e Landor sabiam, mas Epicuro e Heidegger não conseguiram abarcar. Ao contrário, é porque teria vivido mais completamente se eu tivesse conseguido declamar mais velhas castanhas – assim como também o teria se tivesse tido mais amigos íntimos. Culturas com vocabulários ricos são mais inteiramente humanas – mais distantes das  bestas – do que aquelas empobrecidas nesse aspecto; homens e mulheres individuais são mais completamente humanos quando suas memórias são amplamente povoadas por versos.

Outubro/novembro de 2012

Peguei aqui, ó: https://odiscursosemmetodo.wordpress.com/2013/11/06/o-fogo-da-vida-richard-rorty/

As traduções das poesias, todavia, são de minha autoria:

https://nsantand.wordpress.com/2016/02/24/algerno-charles-swinburne-o-jardim-de-proserpina/ 

https://nsantand.wordpress.com/2016/02/23/walter-savage-landor-epitafio/