1
Não posso, sem remorso,
ver uma criatura dormindo.
Tão sincera, dá-se tanto
(tão f o t o g ê n i c a-
m e n t e)
que me arrependo de não
lhe haver sido mais puro
quando falávamos, há pouco.
A morte, se igual ao sono,
absolvido, já, da luta,
deverá ser a sinceridade
(absoluta)
2
Não posso, sem reexame
de mim mesmo, ver o amigo
de costas para mim
( d e s p r e v e n i d o )
sem saber que o estou
vendo.
E que eu – se um traidor –
pelo acaso das coisas
opostas,
bem poderia agredir
(pelas costas)
3
Não posso, sem certa
saudade de quem os possui,
ver os objetos que Circe
deixa (colar, anágua,
blusa)
longe do seu corpo
ao despir-se
(hábito) depois do passeio.
E deixará na casa
já des(h)abitada,
saudade de uma criatura
presente
através dos objetos que
ela usa
(colar, anágua, blusa)
4
Sinto-me vário e involun-
tário.
A ciência quebra os vidros
das janelas.
Joga-me num azul-físico
dissoluto.
Árvore, joga ao chão seu
fruto.
Última alternativa:
ser eu, egoísta e áspero,
ou
(por automação)
uma lesma
que se fez pássaro?
5
Só os indiferentes
moram atrás do espelho.