Cassiano Ricardo – O Festim Terrestre

O olho de Polifemo
já depois de arrancado
ao gigante bêbado,
foi posto,
entre rosas carnosas
e lírios agudos,
sobre a alva mesa.

Tinha ainda a pupila
acesa.

E os doze convivas,
— doze fomes irmãs, —
todos ao mesmo tempo,
simultâneos como
figuras de uma orquestra,
vieram, graves, comer
o olho
de Polifemo,
em dourado molho.

Eram só matéria
exigindo a matéria.
Bocas rubras de vinho
num banquete com algo
de mágico
e de antropofágico.
Ah, era tanta a fome
que nem perceberam,
um minuto após,
pousar-lhes sobre o ombro
a mão de um anjo torto
que os fez diferentes
do que eram,
no banquete feroz.

De modo
que se olhassem pra dentro
do seu próprio ser,
não se conheceriam:
“quem são?”
de tão desfigurados
pela deformação.

E ao mesmo tempo iguais
uns aos outros,
era como se olhassem
num espelho morto.
Tão iguais de rosto
que já não poderiam
distinguir quais deles
eram eles mesmos
(se todos
tinham um só rosto).

Todos deformados
pela angústia, desnudos,
reduzidos a ângulos
agudos,
no instante decomposto
em que a fome era o fruto
do absoluto.

Fruto do chão bruto.

Fruto que tinha o gosto
do suor e da lágrima
que a língua bebe ao rosto.

Mas, o olho redondo,
comido alegremente,
entre rosas carnosas
e lírios agudos,
em campo de prata
(Pã ergue um brinde a Ulisses)
como comer se come
numa mesa de doidos,
continuou olhando
a todos.
Como se olhasse um bando
de doidos.

Não lhes matou a fome.

Então, na manhã clara,
como enormes figuras,
iguais e repetidas
de um baralho humano,
os doze convivas
repentinos e feéricos,
todos ao mesmo tempo,
automaticamente,
comeram — verdes potros —
uns os olhos dos outros.

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