Domingos Carvalho da Silva – Mensagem

Longe, muito longe, um país nos contempla.
Um país de silício e saibro, de água salgada e sol
Onde os peixes não chegam, os corvos não assistem.
Onde os náufragos se afogam no incêndio
do solitário dia
eterno.

Longe, muito longe, onde a areia reflete
as escamas da lua;
onde só os mortos vão beijar a praia,
estaremos um dia.

Nas impassíveis furnas há de reinar o vácuo.
Nossa voz secará como crestada
haste de palha.

Lá estaremos, amiga, e, em odres de óleo ardente,
entraremos no mundo mineral. E então
a terra florescerá. E do teu corpo
germinarão gardênias e andorinhas
e o mundo ressurgirá da abolição da morte.

REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/02/2016

Domingos Carvalho da Silva – Mensagem

Longe, muito longe, um país nos contempla.
Um país de silício e saibro, de água salgada e sol
Onde os peixes não chegam, os corvos não assistem.
Onde os náufragos se afogam no incêndio
do solitário dia
eterno.

Longe, muito longe, onde a areia reflete
as escamas da lua;
onde só os mortos vão beijar a praia,
estaremos um dia.

Nas impassíveis furnas há de reinar o vácuo.
Nossa voz secará como crestada
haste de palha.

Lá estaremos, amiga, e, em odres de óleo ardente,
entraremos no mundo mineral. E então
a terra florescerá. E do teu corpo
germinarão gardênias e andorinhas
e o mundo ressurgirá da abolição da morte.

Domingos Carvalho da Silva – Elegia para os Suicidas do Viaduto

Eles já estavam mortos
no ventre materno.
Para eles
o deflagrar da aurora era já um túmulo.
Fugiam para a morte
presos, embora, à corda umbilical.
Rondava a lua estéril entre ciprestes
E a terra de cardos e açucenas
era a alegria, o trigo, a lepra, a tempestade.
Já estavam mortos quando nasceram
acorrentados ao Código Civil.
Foi-lhes aposto um nome. Para quê?
Já estavam mortos irremediavelmente.
Mortos sem o espasmo celular dos vivos
eram de argila pura, do impluto barro
dos pântanos.
Deviam ir à escola – mortos sempre – e saber
o nome das estátuas, a data das eclipses,
ler no jornal do dia informações já mortas
da véspera remota,
crer na imortalidade,
eles que estavam mortos desde a manhã uterina.
Pensavam por vezes em rumos ferroviários.
Em navios que partem para Constantinopla.
Queriam uma ilha despovoada de deuses,
queriam mulheres nuas, queriam abraçá-las.
Já estavam porém mortos para o sonho e a viagem.
Seu corpo era água fria sem maré nupicial.
Defuntos como árvores, tinham cabelo verde
e pés sulcando a terra e mãos prendendo o sol.
Para eles o suicídio foi apenas um gesto
da gaivota descendo a uma praia de asfalto.
O massacrado corpo apenas cem gramas
perdeu em sangue, impaciência e alma.
Já foram sepultados com os olhos retendo
a última paisagem e o último desdém.
Já voltaram tranquilos à placenta sombria
da terra noiva, filha,
concubina e mãe.
Sobre a campa ainda fresca já despontaram hastes.
A erva já se espalha. O trevo vai florir.
E quando anoite cai silenciosa e profuda
é fácil ver na tumba
o rosto dos suicidas a sorrir.