Adélia Prado – Os lugares comuns

Quando o homem que ia casar comigo
chegou a primeira vez na minha casa,
eu estava saindo do banheiro, devastada
de angelismo e carência. Mesmo assim,
ele me olhou com olhos admirados
e segurou minha mão mais que
um tempo normal a pessoas
acabando de se conhecer.
Nunca mencionou o fato.
Até hoje me ama com amor
de vagarezas, súbitos chegares.
Quando eu sei que ele vem,
eu fecho a porta para a grata surpresa.
Vou abri-la como o fazem as noivas
e as amantes. Seu nome é:
Salvador do meu corpo.

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Adélia Prado – A Treva

Me escolhem os claros do sono
engastados na madrugada,
a hora do Getsêmani.
São cruas claras visões
às vezes pacificadas,
às vezes o terror puro
sem o suporte dos ossos,
que o dia pleno me dá.
A alma desce aos infernos,
a morte tem seu festim.
Até que todos despertem
e eu mesma possa dormir,
o demônio come a seu gosto,
o que não é Deus pasta em mim.