Antes de mim vieram os velhos
Os jovens vieram depois de mim
E estamos todos aqui
No meio do caminho dessa vida
Vinda antes de nós
E estamos todos a sós
No meio do caminho dessa vida
E estamos todos no meio
Quem chegou e quem faz tempo que veio
Ninguém no início ou no fim
Antes de mim
Vieram os velhos
Os jovens vieram depois de mim
E estamos todos aí
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Caetano Veloso – O Ciúme
Caetano Veloso – O Ciúme
Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme
O ciúme lançou sua flecha preta
E se viu ferido justo na garganta
Quem nem alegre, nem triste, nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta
Velho Chico vens de Minas
De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti, não me ensinas
E eu sou só eu, só eu só, eu
Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas na voz que canta tudo ainda arde
Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?
Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme.
Titãs – O Pulso
O PULSO
O pulso ainda pulsa
O pulso ainda pulsa
Peste bubônica câncer pneumonia
Raiva rubéola tuberculose anemia
Rancor cisticercose caxumba difteria
Encefalite faringite gripe leucemia
O pulso ainda pulsa
O pulso ainda pulsa
Hepatite escarlatina estupidez paralisia
Toxoplasmose sarampo esquizofrenia
Úlcera trombose coqueluche hipocondria
Sífilis ciúmes asma cleptomania
O corpo ainda é pouco
O corpo ainda é pouco
Reumatismo raquitismo cistite disritmia
Hérnia pediculose tétano hipocrisia
Brucelose febre tifoide arteriosclerose miopia
Catapora culpa cárie câimbra lepra afasia
O pulso ainda pulsa
O corpo ainda é pouco
Compositor: Arnaldo Antunes
Waly Salomão – A Fábrica do Poema
do livro: Algaravias:
FÁBRICA DO POEMA
in memoriam Donna Lina Bo Bardi
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-se os dedos estarrecidos.
sinédoques, catacreses,
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?
(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra “recalcado” é uma expressão
por demais definida, de sintomatologia cerrada:
assim numa operação de supressão mágica
vou restaurá-la daqui do poema.)
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará?
***
A letra do cd A Fábrica do poema:
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-me os dedos estarrecidos.
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?
sob que máscara retornará?
sob que máscara?
Vladimir Maiakovski/Caetano Veloso – O Amor
Talvez quem sabe um dia
Por uma alameda do zoológico
Ela também chegará
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa
Ela é tão bonita
Ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão
O século trinta vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
Tudo o que não podemos amar na vida
Com o estelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me ainda que mais não seja
Porque sou poeta
E ansiava o futuro
Ressuscita-me
Lutando contra as misérias do cotidiano
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me
Quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida para que não mais existam amores servis
Ressuscita-me para que ninguém mais tenha de sacrificar-se
por uma casa, um buraco
Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja pelo menos o Universo
E a mãe
Seja no mínimo a Terra
A Terra
A Terra
Adaptação de Caetano Veloso a partir da tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman
Ian Curtis – 24 Hours
24 Horas
Então isso é a permanência – o orgulho despedaçado do amor
O que uma vez foi inocência perdeu sua vez
Uma nuvem paira sobre mim, marca cada movimento
Fundo na memória do que uma vez foi amor
Oh, como eu compreendi, como eu queria tempo para
Colocar em perspectiva. Tentei tanto encontrar
Só por um instante pensei que encontraria meu caminho
O destino desvendado eu vi escapar
Luzes em excesso, além de todo o alcance
Pedidos solitários por tudo que eu gostaria de guardar
Vamos dar uma volta, ver o que podemos encontrar
Uma coleção sem valor de esperanças e desejos antigos
Eu nunca percebi a distância que teria que percorrer
Todos os lados obscuros de um sentido que eu não conhecia
Por apenas um segundo ouvi alguém me chamar
Olhei para além do dia presente, e não havia nada ali afinal…
Agora que eu percebi como tudo está dando errado
Tenho que fazer terapia, tratamentos demoram muito
No cerne onde a simpatia dominou
Tenho que achar meu destino antes que seja tarde demais…
