Louise Glück – Trillium*

Quando acordei eu estava em uma floresta. A escuridão
parecia natural, o céu entre os pinheiros
repleto de muitas luzes.

Eu não sabia nada; eu não podia fazer nada além de olhar.
E enquanto eu observava, todas as luzes do céu
se apagaram para formar uma única coisa, um fogo
ardendo por entre os frescos abetos.
Então não era mais possível olhar
para o céu e não ser destruído.

Há almas que precisam
da presença da morte, como eu necessito de proteção?
Acredito que se falar por tempo suficiente
eu responderei a essa questão, eu verei
tudo o que eles veem, uma escada
alcançando além dos abetos, aquilo que
os convocam para mudarem suas vidas –

Pense no que eu já compreendo.
Eu despertei ignorante na floresta;
há apenas um momento atrás, eu não conhecia minha voz,
se alguém me desse uma
seria tão cheia de pesar, minhas frases
seriam como lamentos encadeados.
Eu nem sabia que me sentia triste
até que essa palavra apareceu, até que eu senti
a chuva fluindo de mim.

Trad.: Nelson Santander

Trillium

When I woke up I was in a forest. The dark
seemed natural, the sky through the pine trees
thick with many lights.

I knew nothing; I could do nothing but see.
And as I watched, all the lights of heaven
faded to make a single thing, a fire
burning though the cool firs.
Then it wasn’t possible any longer
to stare at heaven and not be destroyed.

Are there souls that need
death’s presence, as I require protection?
I think if I speak long enough
I will answer that question, I will see
whatever they see, a ladder
reaching through the firs, whatever
calls them to exchange their lives –

Think what I understand already.
I woke up ignorant in a forest;
only a moment ago, I didn’t know my voice
if one were given me
would be so full of grief, my sentences
like cries strung together.
I didn’t even know I felt grief
until that word came, until I felt
rain streaming from me.

* N. do T.: o Trillium é uma flor da família Melanthiaceae. Uma de suas variedades é conhecida no Brasil pelo nome de Lírio-do-bosque.

Louise Glück – Matinas (2)

Pai inacessível, quando fomos exilados do paraíso
pela primeira vez você criou
uma réplica, um lugar de uma certa forma
diferente do paraíso,
projetado para ensinar uma lição: fora isso,
o mesmo – beleza em ambos os lados, beleza
sem alternativa – Exceto
que não sabíamos qual era a lição. Deixados sozinhos,
exaurimos uns aos outros. Anos
de escuridão se seguiram; nos revesamos
laborando no jardim, as primeiras lágrimas
enchendo nossos olhos enquanto a terra
toldava-se com pétalas, algumas
vermelho-escuras, outras cor de pele –
Nós nunca pensamos em você,
a quem estávamos aprendendo a venerar.
Nós simplesmente sabíamos que não era da natureza humana amar
somente o que retribui amor.

Trad.: Nelson Santander

Matins

Unreachable father, when we were first
exiled from heaven, you made
a replica, a place in one sense
different from heaven, being
designed to teach a lesson: otherwise
the same — beauty on either side, beauty
without alternative — Except
we didn’t know what was the lesson. Left alone,
we exhausted each other. Years
of darkness followed; we took turns
working the garden, the first tears
filling our eyes as earth
misted with petals, some
dark red, some flesh colored —
We never thought of you
whom we were learning to worship.
We merely knew it wasn’t human nature to love
only what returns love.

Louise Glück – Matinas* (1)

Brilha o sol; perto da caixa de correio, folhas
de uma dividida bétula, dobradas, plissadas como barbatanas.
Abaixo, hastes ocas de narcisos brancos, Tulipas,
Cantatrice**; folhas
escuras de violetas selvagens. Noah diz
que os depressivos odeiam a primavera, desequilíbrio
entre os mundos interior e exterior. Eu defendo
outra causa – deprimida, sim, mas de algum modo apaixonadamente
unida à árvore viva, meu corpo
efetivamente enrolado no tronco fendido, quase em paz, na chuva da tarde,
quase capaz de sentir
a seiva espumando e crescendo: Noah diz que isto é
um erro dos depressivos, identificar-se
com uma árvore, enquanto o coração satisfeito
vagueia pelo jardim feito uma folha que cai, uma imagem
da parte, não do todo.

*N. do T.: a palavra “matins” (“matinas” em língua portuguesa) pode ser interpretada em ao menos duas acepções: na primeira, literária, as “matins” se referem ao canto matinal dos pássaros. Na segunda, relativa à liturgia católica, as “Matinas” fazem parte das chamadas Horas Canônicas, antigas divisões de tempo adotadas pelo cristianismo que serviam como diretrizes para as orações do dia. As Matinas eram compostas por três noturnos, cada noturno com três salmos mais as leituras longas da Escritura e da patrística. Além delas, também faziam parte do ciclo das horas canônicas as Laudes (oração matinal), a Hora Média (Terça, Sexta e Noa), as Vésperas (oração da tarde) e as Completas (rezadas antes do repouso noturno).

Portanto, os poemas que compõem a série “Matins”, em “The Wild Iris” (são sete ao todo espalhados pela obra), aceitam dupla interpretação, podendo o substantivo se referir tanto ao mundo natural (o canto dos pássaros) quanto ao mundo divino (a oração da manhã).

** N. do T.: uma espécie de narciso branco.

Trad.: Nelson Santander

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Matins

The sun shines; by the mailbox, leaves
of the divided birch tree folded, pleated like fins.
Underneath, hollow stems of the white daffodils, Ice Wings, Cantatrice; dark
leaves of the wild violet. Noah says
depressives hate the spring, imbalance
between the inner and the outer world. I make
another case — being depressed, yes, but in a sense passionately
attached to the living tree, my body
actually curled in the split trunk, almost at peace, in the evening rain
almost able to feel
sap frothing and rising: Noah says this is
an error of depressives, identifying
with a tree, whereas the happy heart
wanders the garden like a falling leaf, a figure for
the part, not the whole.

Louise Glück – A íris selvagem

No fim do meu sofrimento
havia uma saída.

Ouça-me: do que você chama de morte,
eu me lembro.

Acima, ruídos, ramos de pinheiros se movendo.
Depois, nada. O sol fraco
cintilou sobre a superfície seca.

É terrível sobreviver
como consciência
sepultada sob a terra escura.

E então acabou: aquilo que você mais teme, sendo
uma alma e impossibilitada
de falar, terminando abruptamente, a terra dura
cedendo um pouco. E o que me pareceu serem
pássaros se movendo por entre os arbustos rasteiros.

Você que não se lembra
da passagem do outro mundo
eu lhe digo o que poderia falar vezes sem conta: o que quer que
retorne do esquecimento retorna
para encontrar uma voz:

do centro da minha vida surgiu
uma grande fonte, profundas
sombras azuis na água azul do mar.

Trad.: Nelson Santander

The wild iris

At the end of my suffering
there was a door.

Hear me out: that which you call death
I remember.

Overhead, noises, branches of the pine shifting.
Then nothing. The weak sun
flickered over the dry surface.

It is terrible to survive
as consciousness
buried in the dark earth.

Then it was over: that which you fear, being
a soul and unable
to speak, ending abruptly, the stiff earth
bending a little. And what I took to be
birds darting in low shrubs.

You who do not remember
passage from the other world
I tell you I could speak again: whatever
returns from oblivion returns
to find a voice:

from the center of my life came
a great fountain, deep blue
shadows on azure seawater.

Sobre este poema, a poeta Fleda Brown diz:

“Aqui está o poema do título. Você sabe como é uma íris selvagem?
(…) Essa [flor de] íris está descrevendo como é sair debaixo da terra escura. Está descrevendo o quão terrível é permanecer enterrado durante todo o inverno, estar consciente de estar enterrado, esperando. Então o surgimento da terra, o falar com a única voz que uma flor tem, sua flor. É estranho como Glück nos faz sentir como se fossemos a íris e, na verdade, percebemos que SOMOS, como a íris, a consciência que espera para falar com nossa própria voz.(…)”

E referindo-se aos versos finais do poema:

“Eu acho que ninguém jamais descreveu a flor de íris melhor do que isso: uma grande fonte, sombras azuis profundas na água do mar azul. Não posso olhar para uma íris agora sem ver uma fonte.”

http://fledabrown.com/columnist/michigan-writers-on-the-air/louise-gluck/

Apresentação de “The Wild Iris”, de Louise Glück

Atualizado em 08/10/2020: tive contato com a obra de Louise Glück no ano passado. Como narrado na apresentação que segue, fui tão impactado pela qualidade de seus poemas que me vi na contingência de traduzir, na íntegra, um de seus principais trabalhos – The Wild Iris. E desde então, tenho traduzido diversos outros grandes poemas esparsos dela – como “Outubro”, “Paisagem” e “Nostos”. Já são cerca de 60 poemas traduzidos. O encantamento diante de seus poemas continua o mesmo. Atualizo essa “apresentação”, obviamente, porque hoje veio a público a notícia de que Louise – atualmente com 77 anos de idade – foi a premiada com o Nobel de Literatura de 2020. No comunicado que faz a imprensa, a Academia Sueca resume os motivos que levaram à escolha da poeta para o prêmio:

“O Prêmio Nobel de Literatura 2020 é concedido à poetisa americana Louise Glück por sua inconfundível voz poética que, com austera beleza, torna universal a existência individual”

Não há muito o que acrescentar. Espero que o Prêmio Nobel desperte o interesse de novos leitores e, principalmente, que alguma editora brasileira se aventure em publicar ao menos parte de sua obra em português.

Enquanto as editoras não se mexem, sintam-se à vontade nesse humilde blog para apreciar a beleza da poesia de Louise Glück. Perca-se entre as flores, o vento, o mato, o sol, o mundo, a contemplação, a busca por Deus, os desapontamentos, a tristeza calma de seus poemas. Você não vai se arrepender”

Nelson Santander

Percorrendo os infindáveis mundos virtuais da internet a fim de colher alguns poemas para este humilde blog, me deparei com uma poeta ainda pouco conhecida no Brasil: Louise Glück. No site da Academy Poets of America encontramos uma breve bio-bibliografia dela:

Louise Glück nasceu em Nova York, em 22 de abril de 1943, e cresceu em Long Island. É autora de vários livros de poesia, sendo o mais recente deles Faithful and Virtuous Night (Farrar, Straus, and Giroux, 2014), que ganhou o Prêmio Nacional do Livro de 2014 em Poesia; Poems 1962-2012 (Farrar, Straus e Giroux, 2012); A Village Life: Poems (Farrar, Straus e Giroux, 2009); Averno (Farrar, Straus e Giroux, 2006), finalista do Prêmio Nacional do Livro de 2006 em Poesia; The Seven Ages (Ecco Press, 2001); e Vita Nova (Ecco Press, 1999), ganhadora do Prêmio Bingham de Poesia, da Boston Book Review e do New Yorker’s Book Award em Poesia. Em 2004, a Sarabande Books lançou seu poema em seis partes “October”, em chapbook.

Seus outros livros incluem Meadowlands (Ecco Press, 1996); The Wild Iris (Ecco Press, 1992), que recebeu o Prêmio Pulitzer e o Prêmio William Carlos Williams da Sociedade de Poesia da América; Ararat (Ecco Press, 1990), pela qual recebeu o Prêmio Nacional de Poesia Rebekah Johnson Bobbitt da Biblioteca do Congresso; e The Triumph of Achilles (Ecco Press, 1985), que recebeu o National Book Critics Circle Award, o Boston Globe Literary Press Award e o Melville Kane Award da Poetry Society of America.

Em uma resenha na New Republic, a crítica Helen Vendler escreveu:

“Louise Glück é uma poeta de presença forte e assustadora. Seus poemas, publicados em uma série de livros memoráveis nos últimos vinte anos, alcançaram a distinção incomum de não serem nem ‘confessionais’ nem ‘intelectuais’ nos sentidos usuais dessas palavras”.

Glück também publicou uma coleção de ensaios, experimentos e teorias: Essays on Poetry (Ecco Press, 1994), que ganhou o Prêmio PEN / Martha Albrand de Não-ficção. Suas honrarias incluem o Prêmio Bollingen em Poesia, o Lannan Literary Award for Poetry, o Prêmio Sara Teasdale Memorial, a Medalha de Aniversário do MIT e bolsas das Fundações Guggenheim e Rockefeller e da National Endowment for the Arts.

Em 1999, Glück foi eleita Chancellor of the Academy of American Poets. No outono de 2003, foi nomeada como a décima segunda poeta laureada consultora da Biblioteca do Congresso americano. Ela atuou como juíza da Yale Series of Younger Poets de 2003 a 2010.

Em 2008, Glück foi selecionada para receber o Prêmio Wallace Stevens pelo domínio da arte da poesia. Sua coleção, Poems 1962-2012, recebeu o prêmio Los Angeles Times Book 2013. Em 2015, recebeu a Medalha de Ouro por Poesia da Academia Americana de Artes e Letras.

Ela é escritora-residente na Universidade de Yale.

O impacto da leitura de alguns de seus poemas foi tão devastador que, investido de um incomum senso de urgência, me impus a tarefa de traduzir e publicar todos os grandes poemas que compõem aquela que é considerada a obra-prima da autora: “The Wild Iris“. A obra – ganhadora de vários prêmios literários, dentre os quais o Pulitzer de Poesia, em 1993 – vem colhendo admiradores no mundo todo desde que publicada pela primeira vez, em 1992, pela Ecco Press.

Sobre este livro, assim testemunhou a também poeta norte-americana Fleda Brown:

“(…) É sobre esse livro (The Wild Iris) que eu quero falar e ler um pouco. Eu o acho um feito extraordinário. Os poemas são pequenas coisas estranhas, dando vozes às flores e a Deus, assim como ao poeta humano. Quem tentaria falar como uma flor, sob o ponto de vista de uma flor, sem soar piegas? Quem tentaria falar pela voz de Deus? Mas ela conseguiu, e em cada poema, a perspectiva é uma que não esperaríamos. Não há sentimentalismo aqui. Cada poema abala nossa maneira usual de ver o mundo.

Na obra há vários poemas com o mesmo título, chamados simplesmente Matinas, ou Vésperas, de modo que o livro parece um panfleto de orações católicas, marcando a passagem do dia em orações. Mas, meu Deus, as orações não são o que esperamos!

(…)

Um dos temas do livro, um dos temas persistentes de Glück, é que não há esperança. Estamos todos condenados. Os poemas são sombrios, sem dúvida. Mas, como Dylan Thomas diz em de seus poemas, nós cantamos em nossos grilhões como canta o mar.

Os poemas geralmente parecem curtos e fáceis em seu idioma, mas eles me lembram a simplicidade dos poemas de Robert Frost – eles apenas parecem simples.

(…)

Os poemas de Louise Gluck não se encaixam no modo “confessional” ou “anedótico”. Você sabe como esses poemas são – por sua intensidade, esses poemas precisam contar uma história para manter nossa atenção. Mas os poemas de Glück são também intensamente pessoais – você pode sentir isso nos poemas dela. Eles são pessoais e líricos – eles ficam em um lugar e cantam. O que eu admiro é a força da fala, da dicção, do ritmo, do humor perfeitamente realizado dos poemas. Eles são completamente diferentes de tudo.”

(http://fledabrown.com/columnist/michigan-writers-on-the-air/louise-gluck/)

Outra bela resenha do livro é esta, da também poeta Rachel Mennies:

“Quando li pela primeira vez The Wild Iris, de Louise Glück, não estava sofrendo. Sentei-me no meu futon de anos, preparando-me para a discussão do texto em minha oficina de pós-graduação na semana seguinte. Peguei o livro em silêncio e li-o várias vezes, totalmente consumido. Eu consumi as linhas bem definidas de Glück, seus verbos exatos. (Sua prosódia instruirá jovens poetas para sempre na tarefa ousada e crucial da escolha das palavras, da imagem tão precisa e correta que seus leitores se atrevem a chamá-la de perfeita.) Eu lamentei e encontrei conforto em sua coragem em face do própria luto – mas quando li The Wild Iris pela primeira vez, não estava sofrendo. Em vez disso, eu usava o sofrimento de Glück como um casaco no verão – perplexa diante de sua força de aprisionamento, incerta se alguma vez eu necessitaria da densidade de sua dor.

Desde então, eu achei Glück, em seus momentos de precisa escuridão, mais reconfortante em momentos de tristeza – talvez haja algo no ruído confuso da tragédia nacional, em suas aleatórias e ininterruptas reportagens, que me fazem desejar uma linguagem tão exata que possa caber na ponta de uma agulha. Em dezembro do ano passado, quando o tiroteio em Newtown levou vinte filhos de seus pais, o poema que leva o nome do livro desdobrou-se em meu cérebro. Antes, em setembro de 2011, eu assisti no noticiário local de Pittsburgh o presidente pousar o Air Force One em nosso aeroporto, a caminho de Somerset, nas proximidades, para lamentar o décimo aniversário do acidente do voo 93. Na época, também, eu alcancei o The Wild Iris, e li o mesmo poema:

No fim do meu sofrimento
havia uma saída.

Ouça-me: do que você chama de morte,
eu me lembro.

Já escrevi antes sobre esse poema e sobre o poder da poesia em nos ajudar, em comunidade, com nossos traumas. Depois de Newtown, voltei a Glück não pela comunidade, mas por seu intimismo; por suas linhas essenciais e assustadoras, procurei e encontrei um conforto inesperado. Em The Wild Iris, a precisão de Glück muitas vezes parece uma ordenação, uma espécie de batizado taxonômico. Esse ato de nomear, essa ordenação gritante do universo, conduz a sua oradora, mesmo quando ela sofre, ao alarido – de volta ao mundo grande e terrível. “Eu nem sabia que me sentia triste”, diz a oradora em seu poema Trillium, “até que essa palavra apareceu, até que eu senti / a chuva fluindo de mim.” E no final de ‘Clear Morning ‘, o tipo de manhã que levou o Presidente a Pittsburgh, lembro-me de pensar “a oradora afirma ‘Estou preparado agora para impor / clareza a todos vocês.” Na agitação sombria do trauma nacional, no fino luto televisivo e banalidades exageradas gesticulando suavemente em direção ao sofrimento, precisamos de uma clareza imposta sobre nós dessa maneira exata e imparcial. Preciso, brutalmente, de cada evento inevitável e brutal.

E agora, como um dos poucos livros com os quais cresci, que realmente amei, ainda me surpreendo com meu apego ao texto – eu o alcanço repetidamente, toda vez sem saber porque, sempre certo de que encontrarei o que estava procurando. Penso muitas vezes na oradora de ‘Clear Morning’, como se ela se dirigisse a mim diretamente, estudando-me a partir do texto: “Eu já os observei por tempo suficiente, / eu posso falar com vocês da maneira que eu quiser -” O texto me nomeou, me incluiu em seu sofrimento. Pode e fala comigo como deseja. (…).”

https://pankmagazine.com/2013/02/12/books-we-cant-quit-the-wild-iris-by-louise-gluck-a-review-by-rachel-mennies/

Amanhã, The Wild Iris, o poema que inaugura o livro com o mesmo nome. E nos dias subsequentes os demais poemas, na ordem em que aparecem no trabalho.

Nelson Santander

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Wendell Berry – Antes de escurecer

Da varanda ao entardecer eu vi
um martim-pescador selvagem em um voo
que ele só poderia estar realizando por prazer.

Ele veio pelo rio, chapinhando
contra o rosto turvo da água
como uma pedra saltitante, passando

adiante longe da vista. E ainda assim
eu podia ouvir o chapinhar
cada vez mais distante

à medida que escurecia. Ele voltou
pelo mesmo caminho, escuro como sua sombra,
subitamente, além dos salgueiros.

O chapinhar continuou quase inaudível.
Estava escuro então. A noite
o havia acomodado em algum lugar.

— no lugar para onde ele estava indo
ou de onde, conduzido por sua alegria,
ele viera.

Trad.: Nelson Santander

Before dark

From the porch at dusk I watched
a kingfisher wild in flight
he could only have made for joy.

He came down the river, splashing
against the water’s dimming face
like a skipped rock, passing

on down out of sight. And still
I could hear the splashes
farther and farther away

as it grew darker. He came back
the same way, dusky as his shadow,
sudden beyond the willows.

The splashes went on out of hearing.
It was dark then. Somewhere
the night had accommodated him

— at the place he was headed for
or where, led by his delight,
he came.

Joseph Stroud – Primeira Canção

Aquela distante manhã na fazenda da Ruth
em que me escondi entre as glicínias
e observei os beija-flores. Eu achava
que o rubi ou o ouro que brilhavam em seus pescoços
fossem o sangue adocicado das flores.
Eles metiam seus bicos perfurantes
em uma coroa de pétalas até suas cabeças
desaparecerem. As flores se esbatiam ao vento,
e a respiração que eu ouvia
vinha das finas hastes das glicínias em movimento.
Naquela noite, meu rosto pressionado contra a vidraça,
eu olhei para fora, para a escuridão
onde a lua se afogava nos salgueiros
perto da lagoa. Meu coração, sanguíneo jaspe,
se transformou. Aquela longa noite, a fazenda,
aqueles rútilos pássaros, todos esses anos idos.
Os cavalos em pé quietos e enormes
sob a lua trespassada de escuridão.

Trad.: Nelson Santander

First Song

That long-ago morning at Ruth’s farm
when I hid in the wisteria
and watched hummingbirds. I thought
the ruby or gold that gleamed on their throats
was the honeyed blood of flowers.
They would stick their piercing beaks
into a crown of petals until their heads
disappeared. The blossoms blurred into wings,
and the breathing I heard
was the thin, moving stems of wisteria.
That night, my face pressed against the window,
I looked out into the dark
where the moon drowned in the willows
by the pond. My heart, bloodstone,
turned. That long night, the farm,
those jeweled birds, all these gone years.
The horses standing quiet and huge
in the moon-crossing blackness.

Wislawa Szymborska – Adolescente

Eu — adolescente?
Se de repente ela me aparecesse aqui, agora,
deveria saudá-la como a uma pessoa próxima,
mesmo que me pareça estranha e distante?

Derramar uma lágrima, beijar a testa
somente pelo motivo
de termos a mesma data de nascimento?

Tanta dessemelhança entre nós
que talvez só os ossos sejam os mesmos,
o formato do crânio, as órbitas.

Pois os olhos deles já parecem maiores,
os cílios mais longos, a estatura mais alta
e o corpo compactamente coberto
de pele lisa, sem defeito.

É verdade que nos unem parentes e amigos,
mas no seu mundo quase todos estão vivos
e no meu quase ninguém
desse círculo comum.

Tanto nos diferenciamos,
de coisas tão diversas falamos, pensamos.
Ela sabe pouco —
mas com absoluta convicção.
Eu sei muito mais —
mas sem certezas.

Me mostra os seus versos,
escritos numa letra clara, caprichada,
que eu já não tenho há anos.

Leio esses versos, releio.
Bom, talvez só este,
se der para encurtar
e corrigir aqui e ali.
Para o resto não vejo futuro.

A conversa não engata.
No seu relógio pobre
o tempo ainda é vacilante e barato.
No meu, muito mais caro e preciso.

Na despedida, nada: um sorriso casual
e nenhuma emoção.

Só quando some
e na pressa esquece o cachecol.

Um cachecol de pura lã,
com listras coloridas,
tricotado à mão para ela
pela nossa mãe.

Eu o guardo ainda.

Trad.: Regina Przybycien

Kilkunastoletnia

Ja — kilkunastoletnia?
Gdyby nagle, tu, teraz, stanęła przede mną,
czy miałabym ją witać jak osobę bliską,
chociaż jest dla mnie obca i daleka?

Uronić łezkę, pocałować w czółko
z tej wyłącznie przyczyny,
że mamy jednakową datę urodzenia?

Tyle podobieństwa między nami,
że chyba tylko kości są te same,
sklepienie czaszki, oczodoły.

Bo już oczy jakby trochę większe,
rzęsy dłuższe, wzrost wyższy
i całe ciało obleczone ścisle
skórą gładką, bez skazy.

Łączą nas wprawdzie krewni i znajomi,
ale w jej świecie prawie wszyscy żyją,
a w moim prawie nikt
z tego wspólnego kręgu.

Tak mocno się różnimy,
tak całkiem o czym innym myślimy, mówimy.
Ona wie mało —
za to z uporem godnym lepszej sprawy.
Ja wiem o wiele więcej —
za to nie na pewno.

Pokazuje mi wiersze,
pisane pismem starannym, wyraźnym,
jakim ja nie piszę już od lat.

Czytam te wiersze, czytam.
No może ten jeden,
gdyby go skrócić
i w paru miejscach poprawić.
Reszta niczego dobrego nie wróży.

Rozmowa się nie klei.
Na jej biednym zegarku
czas chwiejny jeszcze i tani.
Na moim dużo droższy i dokładny.

Na pożegnanie nic, zdawkowy uśmiech
i żadnego wzruszenia.

Dopiero kiedy znika
i zostawia w pośpiechu swój szalik.

Szalik z prawdziwej wełny,
w kolorowe paski
przez naszą matkę
zrobiony dla niej szydełkiem.

Joan Margarit – Água-forte

Os granizos metralham as vidraças,
as rajadas arrasam as calçadas.
E tu e eu aqui, onde o mau tempo
resume os obstáculos que às vezes
nos conduzem à margem do abismo.
Olhos cintilantes de desacertos,
mãos queimadas por se salvarem agarrando-se
aos gelados corrimãos do inferno.
Que o acaso prossiga disparando
sem razão, como sempre, nas vidraças.
Para além do amor – desse nosso amor –
nada faz sentido.

Trad.: Nelson Santander

Joan Margarit – Aguafuerte

El granizo ametralla los cristales,
las ráfagas arrasan las aceras.
Tú y yo estamos aquí, donde el mal tiempo
resume los obstáculos que a veces
nos han llevado al borde del abismo.
Ojos brillantes de equivocaciones,
manos quemadas por salvarse asidas
a la helada baranda del infierno.
Que el azar continúe disparando
sin razón, como siempre, a los cristales.
Más allá del amor —de nuestro amor—
nada tiene sentido.

Paul Verlaine – Colóquio sentimental

No velho parque frio e abandonado
Duas formas passaram lado a lado.

Olhos sem vida já, lábios tremendo,
Apenas se ouve o que elas vão dizendo.

No velho parque frio e abandonado,
Dois vultos evocaram o passado.

– Lembras-te bem do nosso amor de outrora?
– Por que é que hei de lembrar-me disso agora?

– Bate sempre por mim teu coração?
Vês sempre em sonho minha sombra? – Não.

– Ah! aqueles dias de êxtase indizível
Em que as bocas se uniam! – É possível.

– Como era azul o céu, e grande, o sonho!
– Esse sonho sumiu no céu tristonho.

Assim por entre as moitas eles iam,
E só a noite escutou o que diziam.

Trad.: Guilherme de Almeida

Colloque sentimental

Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux formes ont tout à l’heure passé.

Leurs yeux sont morts et leurs lèvres sont molles,
Et l’on entend à peine leurs paroles.

Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux spectres ont évoqué le passé.

– Te souvient-il de notre extase ancienne?
– Pourquoi voulez-vous donc qu’il m’en souvienne?

– Ton coeur bat-il toujours à mon seul nom?
Toujours vois-tu mon âme en rêve? – Non.

Ah ! les beaux jours de bonheur indicible
Où nous joignions nos bouches ! – C’est possible.

– Qu’il était bleu, le ciel, et grand, l’espoir !
– L’espoir a fui, vaincu, vers le ciel noir.

Tels ils marchaient dans les avoines folles,
Et la nuit seule entendit leurs paroles.