Eavan Boland – E alma

Minha mãe morreu em um verão —
o mais úmido nos registros do Estado.
Safras apodreciam no oeste.
Toalhas de mesa xadrez dissolviam-se nos jardins.
Cadeiras de praia vazias recolhiam a chuva.
Enquanto eu me dirigia até ela
no trânsito, por entre lilases que gotejavam sombriamente
atrás das casas
e nas calçadas, para prestar-lhe
a última homenagem de uma filha, pensei em algo
que lembrei de
ter ouvido uma vez, que o corpo é, ou
diz-se ser, quase todo feito de
água e ao virar para o sul, ao qual
pertence nossa cidade,
na qual
todo santo dia os elementos começam
uma jornada uns em direção aos outros que nunca,
dado o nosso clima,
falha —
o oceano visível nas bordas recortadas por ele,
a cor da nuvem alcançando a atmosfera,
o Liffey* armazenando um e convocando a outra,
o sal saudando a falta disso no North Wall** e,
como se isso não fosse o suficiente, tudo
terminando quase todas as noites
no centro de nossas conversas —
costa canal oceano rio corrente e agora
mãe e eu seguimos em frente e, embora
a mente não seja confiável no luto, no
aguaceiro próximo quase parecia
que eles poderiam ser a sombra um do outro
do mesmo modo que o corpo é
de cada qual, mas agora
eles estavam novamente em movimento — a névoa na neblina,
a neblina na maresia e ambos no esmalte oleoso
que jazia nas grades
da casa onde ela estava morrendo
quando entrei.

Trad.: Nelson Santander

* O Liffey é um rio no leste da Irlanda que atravessa o centro da cidade de Dublin até sua foz, na Baía daquela cidade.

** Nort Wall: bairro situado do lado norte de Dublin, ao longo do rio Liffey.

And Soul

My mother died one summer—
the wettest in the records of the state.
Crops rotted in the west.
Checked tablecloths dissolved in back gardens.
Empty deck chairs collected rain.
As I took my way to her
through traffic, through lilacs dripping blackly
behind houses
and on curbsides, to pay her
the last tribute of a daughter, I thought of something
I remembered
I heard once, that the body is, or is
said to be, almost all
water and as I turned southward, that ours is
a city of it,
one in which
every single day the elements begin
a journey towards each other that will never,
given our weather,
fail—
the ocean visible in the edges cut by it,
cloud color reaching into air,
the Liffey storing one and summoning the other,
salt greeting the lack of it at the North Wall and,
as if that wasn’t enough, all of it
ending up almost every evening
inside our speech—
coast canal ocean river stream and now
mother and I drove on and although
the mind is unreliable in grief, at
the next cloudburst it almost seemed
they could be shades of each other,
the way the body is
of every one of them and now
they were on the move again—fog into mist,
mist into sea spray and both into the oily glaze
that lay on the railings of
the house she was dying in
as I went inside.

2 comentários sobre “Eavan Boland – E alma

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s