Não adianta enganar e tramar e perder
os outros fantasmas, empurrar o sepultado mais fundo
no lodo arenoso, na lama ribeirinha, pois mesmo assim você vem,
minha fiel, o som de um corpo tão persistente
na água que eu não sei dizer se é uma onda ou você
movendo-se através das ondas. Um mês antes de morrer
você escreveu uma carta aos velhos amigos dizendo que nadou
com um grupo de golfinhos em mar aberto, despedindo-se,
mas o que você mais falou foi sobre o olho.
Aquele enorme olho inquisitivo de um peixe desconhecido
que passou por você durante o derradeiro mergulho desafiador.
Na costa, você descreveu o peixe como nada que
já tivesse visto antes, um colosso azul-acinzentado se movendo lenta
e pacientemente nas profundas e insondáveis
águas do Pacífico Norte. Naquela noite, eu ouvi mais
sobre aquele peixe e aquele olho do que qualquer outra coisa.
Não sei por que isso me ocorreu essa manhã.
Chuva morna e sem saída para o mar, eu não sou digna da imagem.
Mas não consigo deixar de pensar que algo a viu, algo
deu testemunho de você lá fora no oceano
onde você não era a mãe nem a esposa de ninguém,
mas você em sua pele original, pouco antes de morrer,
sendo observada, e hoje contigo em minha cozinha
agora que dez anos se passaram, eu fiquei tão feliz por você.
Trad.: Nelson Santander
Open water
It does no good to trick and weave and lose
the other ghosts, to shove the buried deeper
into the sandy loam, the riverine silt, still you come,
my faithful one, the sound of a body so persistent
in water I cannot tell if it is a wave or you
moving through waves. A month before you died
you wrote a letter to old friends saying you swam
with a pod of dolphins in open water, saying goodbye,
but what you told me most about was the eye.
That enormous reckoning eye of an unknown fish
that passed you during that last–ditch defiant swim.
On the shore, you described the fish as nothing
you’d seen before, a blue–gray behemoth moving slowly
and enduringly through its deep fathomless
North Pacific waters. That night, I heard more
about that fish and that eye than anything else.
I don’t know why it has come to me this morning.
Warm rain and landlocked, I don’t deserve the image.
But I keep thinking how something saw you, something
was bearing witness to you out there in the ocean
where you were no one’s mother, and no one’s wife,
but you in your original skin, right before you died,
you were beheld, and today in my kitchen with you
now ten years gone, I was so happy for you.
[…] 49. Ada Limón – Mar aberto […]
CurtirCurtir