Ellen Bass – Vamos

Vamos tirar nossas roupas e nos divertir.
Podemos rolar
como cães sem coleira na Lighthouse Beach1. Vamos explorar
os corpos uma da outra
como uma liquidação de quatro de julho, revolvendo a orgia
de tweed e sarja, seda e lantejoulas rodopiando em turbilhões.
Buda diz para não discutir a não ser que seja necessário.
Vamos abrir as ostras,
banha-las com Martini seco,
a mesa repleta de conchas peroladas. Podemos encher
a banheira e fingir que estamos contemplando
o pôr do sol sobre a Tomales Bay. Seus seios
são lanternas cintilando sobre as águas.
Seu quadris são ainda as colinas douradas da Califórnia.
Esta manhã, abri um e-mail do Texas
que dizia que eu vou para o inferno e que você não me ama de verdade,
mas se eu me arrepender, embora escarlates sejam os meus pecados,
eles se tornarão brancos como a neve.
Meu bem, é bom saber que temos opções,
mas por enquanto vamos buscar os chihuahuas trigêmeos
e carrega-los em bolsas de couro envernizado.
Tire seu violão de baixo da cama
e cante “Rose of My Heart” outra vez.
Vou caçar na garagem os meus zills2 e o top bordado com moedas
e fazer a dança do ventre no corredor estreito.
Não vamos pensar em nossas crianças, a quilômetros de distância,
fazendo coisas que preferimos não saber.
Já não esculpimos estátuas suficientes?
Lembra-se da campina que arrendei pra você?
Você a queria ensolarada e cercada de árvores.
Paguei cem dólares àquela velha
para que você pudesse se deitar sob a marquise azul do céu.
Quanto mais tempo ficamos juntas, menos eu posso lhe dizer.
Mas este não foi um longo dia?
Lamenta a presidenta da Angústia Infinita
ter concorrido ao cargo. Ela imaginou
que seria como aqueles anjos musculosos
que te colocam nas banheiras de lama quente em Calistoga3.
Mas macacos estão sendo empanturrados com manteiga de amendoim
para que a ciência possa provar que a gordura engorda,
e os trabalhadores que cultivam rosas no Equador
são envenenados para que possamos afirmar tal verdade com flores.
Amanhã escreveremos cartas. Vamos nos esforçar mais.
Vamos baixar o termostato e a bicicleta para trabalhar
e você agitará sacolas plásticas em uma pia de água com sabão
onde elas flutuam como as medusas com as quais são confundidas.
Mas hoje à noite, vamos trazer Bessie4 de volta para um bis.
Você não quer um pouco de açúcar
em sua bela tigela?
Vamos fazer um pouco de chuva, vamos inventar a pele,
dê-me suas gostosas, gloriosas e generosas coxas.
O fantasma de minha mãe está no porão lavando roupa,
oferecendo às peças úmidas aquela sacudida extra.
Ela não ficaria feliz
em nos ouvir resfolegar e relinchar?
Ela não ficaria feliz em saber que
a morte esta noite está pastando em outro lugar?
Vou polvilhar suas pálpebras com canela
e trançar essas velhas penas em seu cabelo.
A manhã nos surpreenderá dormindo no telhado,
nossos rostos inexpressivos como um novo dia, só o rouxinol
na palmeira esfarrapada do vizinho
assobiando uma melodia que soa um pouco como um raga persa,
aquela cítara vibrante, levantando o sol.

N. do T.:

1. Lighthouse Field State Beach é uma praia protegida do sistema de parques estaduais da Califórnia, situada na cidade de Santa Cruz, onde a poeta reside atualmente

2. Os zills são pequenos címbalos de dedos, pratos metálicos usados na dança do ventre ou performances parecidas

3. Calistoga: uma cidadezinha do condado de Napa, no estado da Califórnia, famosa por suas fontes termais e banhos de lama quente

4. A autora se refere a Bessie Smith, a cantora lésbica norte-americana de blues que brilhou nas décadas de 1920 e 1930.

Trad.: Nelson Santander

BASS, Ellen. “Let’s”. In:_____Like a Beggar. EUA: Copper Canyon Press, March 25, 2014.

Miniantologia Poética – 25

Let’s

Let’s take off our clothes and fool around.
We can roll all over
like dogs off-leash at Lighthouse Beach. Let’s rummage
through each other’s body
like a Fourth of July blowout sale, pawing through the orgy
of tweed and twill, silk and sequins swirling up in flurries.
The Buddha says don’t argue until it’s necessary.
Let’s shuck oysters,
wash them down with dirty martinis,
the table littered with pearly shell. We can fill
the bathtub and pretend we’re looking out
at sunset over Tomales Bay. Your breasts
are lanterns flickering on the water.
Your hips are still California’s golden hills.
This morning I opened an e-mail from Texas
that said I’m going to hell and you don’t really love me,
but if I repent, though my sins be scarlet,
they shall be as white as snow.
Darling, it’s good to know we have options
but for now let’s get triplet Chihuahuas,
carry them around in patent-leather purses.
Drag your guitar out from under the bed
and sing “Rose of My Heart” again.
I’ll hunt in the garage for my zills and coin-covered bra
and do the three-quarter shimmy down the skinny hall.
Let’s not think about our children, miles away,
doing things we’d rather not know.
Haven’t we carved enough statues?
You remember the meadow I rented for you.
You wanted it sunny and edged with trees.
I paid the old woman a hundred dollars
so I could lay you down under the sky’s blue marquee.
The longer we’re together, the less I can tell you.
But hasn’t it been a long day?
The President of Infinite Sadness is sorry
she ever ran for office. She imagined
she’d be like those brawny angels
who lower you into the tubs of warm mud at Calistoga.
But monkeys are gorging on peanut butter
so science can prove fat makes you fat,
and the workers who grow roses in Ecuador
are poisoned so we can say it with flowers.
Tomorrow we’ll write letters. We’ll try harder.
We’ll turn down the thermostat and bicycle to work
and you’ll swish plastic bags in a sink of soapy water
where they float like the jellyfish they’re mistaken for.
But tonight let’s bring Bessie back for an encore.
Don’t you want a little sugar
in your beautiful bowl?
Let’s make some rain, let’s invent skin,
give me your glorious, gorgeous, generous thighs.
The ghost of my mother’s in the basement doing laundry,
offering the damp clothes that extra little shake.
Wouldn’t she be happy
to hear us nickering and neighing?
Wouldn’t she be happy to know
death is feeding elsewhere tonight?
I’ll dust your eyelids with cinnamon
and braid those old feathers into your hair.
Morning will find us asleep on the roof,
our faces blank as the new day, just the mockingbird
in the neighbor’s tattered palm
whistling a tune that sounds a little like a Persian raga,
that twangy sitar, raising the sun.