O pensamento
é um pornógrafo
e quase só de palavras
se faz o amor
e no entanto não se embaraça
o pensamento com os cabelos
como os meus cabelos
se embaraçavam nos seus
e não se misturam as palavras
com as palavras como na boca
a saliva se mistura
com a saliva
nem as línguas que falamos
deixam gosto na língua
ou eu teria ainda na minha
o sal da sua
nem anoitece na memória
aos poucos como anoitecia
naquele quarto estreito
já fui um ser de duas cabeças
e ancas
já tive quatro pernas duas bocas
tive quatro braços e mãos
e vinte dedos das mãos
e dois sexos e dois corações
pulsando
simultâneos
já tive só palavras rápidas
como relâmpagos
atravessando a pele
o que foi feito das palavras
que trocamos?
o que foi feito desse ser
desajustado para o mundo?
o que ficou além da cicatriz
dos relâmpagos?
