— depois de Gwendolyn Brooks
Não importa a atração pelo abismo. Pouco
importa o sono profundo e florido que o aguarda.
Há tempo para tudo. Veja,
ainda esta manhã um abutre
acenou com a cabeça vermelha e pardacenta para mim,
e eu olhei para ele, admirando
a foice do seu bico.
Então o vento soprou, e,
depois de dar uma ajeitada naquele ótimo traje de penas,
ele se levantou e partiu.
Exatamente assim. E, pra começar,
há, somente neste planeta, cerca de dois
milhões de lindas coisas que ocorrem naturalmente,
algumas com nomes tão generosos que chutam
o aço dos meus joelhos: agave, caqui,
bola-de-galho, o quiabo roxo que comprei por dois dólares
no mercado. Pense nisso. A longa noite,
o esqueleto no espelho, o homem atrás de mim
no ônibus, tomando notas, sim, sim.
Mas veja; minha sobrinha corre pelo campo
chamando meu nome. Meu vizinho canta como um anjo
e no final do meu quarteirão há uma quadra de basquete.
Eu me lembro. Minha cor é o verde. Eu estou na primavera.
Trad.: Nelson Santander
Sorrow Is Not My Name
—after Gwendolyn Brooks
No matter the pull toward brink. No
matter the florid, deep sleep awaits.
There is a time for everything. Look,
just this morning a vulture
nodded his red, grizzled head at me,
and I looked at him, admiring
the sickle of his beak.
Then the wind kicked up, and,
after arranging that good suit of feathers
he up and took off.
Just like that. And to boot,
there are, on this planet alone, something like two
million naturally occurring sweet things,
some with names so generous as to kick
the steel from my knees: agave, persimmon,
stick ball, the purple okra I bought for two bucks
at the market. Think of that. The long night,
the skeleton in the mirror, the man behind me
on the bus taking notes, yeah, yeah.
But look; my niece is running through a field
calling my name. My neighbor sings like an angel
and at the end of my block is a basketball court.
I remember. My color’s green. I’m spring.
Uauuu! Dá para sentir a melancolia, mas dá para sentir a esperança também, como a gota do orvalho nos primeiros minutos da manhã, tocada pelos primeiros raios de sol depois de ter passado pela escuridão.
Mais uma vez, uau!
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Sim, o poema é muito feliz ao descrever o sentimento visceral do poeta que não quer que a tristeza (pode chamar de depressão) o defina. O encadeamento de imagens que ocorre no final do poema (a sobrinha correndo no campo chamando o nome dele, o vizinho que “canta como um anjo” e a existência de uma quadra de basquete no final da rua) consegue dar a dimensão de tudo o que ajuda o poeta a resistir. Ademais, como ele lembra, no momento em que o poema está sendo escrito é primavera…
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