Czesław Miłosz – Café

Daqueles que se encontravam à mesa do café
onde, no meio-dia de inverno, um jardim de gelo reluzia nas vidraças,
só eu sobrevivi.
Eu poderia entrar ali se quisesse
e, tamborilando meus dedos em um frio vazio,
convocar as sombras.

Com incredulidade, toco o mármore frio,
com incredulidade, toco minha própria mão.
Isto – é, e eu – estou em cada novo devir,
enquanto eles estão presos para todo o sempre
em suas últimas palavras, seus últimos olhares,
e tão remotos quanto o Imperador Valentiniano
ou os chefes dos Masságetas, sobre os quais nada sei,
embora mal tenha passado um ano, ou dois. Ou três.

Ainda posso derrubar árvores nas florestas do extremo norte,
posso palestrar de uma plataforma ou rodar um filme
usando técnicas das quais eles nunca ouviram falar.
Posso descobrir o sabor das frutas das ilhas oceânicas
e ser fotografado em trajes da segunda metade do século.
Mas eles são para sempre como bustos em sobrecasacas e jabôs em alguma monstruosa enciclopédia.

Às vezes, quando a aurora da tarde pinta os telhados de uma rua miserável
e eu contemplo o céu, vejo nas nuvens brancas
uma mesa tremulando. O garçom rodopia com sua bandeja
e eles olham para mim com uma explosão de risos,
pois eu ainda não sei o que é morrer pelas mãos de um homem,
eles sabem – eles o sabem muito bem.

Trad.: Nelson Santander

Cafe

Of those at the table in the cafe
where on winter noons a garden of frost glittered on windowpanes
I alone survived.
I could go in there if I wanted to
and drumming my fingers in a chilly void
convoke shadows.

With disbelief I touch the cold marble,
with disbelief I touch my own hand.
It – is, and I – am in ever novel becoming,
while they are locked forever and ever
in their last word, their last glance,
and as remote as Emperor Valentinian
or the chiefs of the Massagetes, about whom I know nothing,
though hardly one year has passed, or two or three.

I may still cut trees in the woods of the far north,
I may speak from a platform or shoot a film
using techniques they never heard of.
I may learn the taste of fruits from ocean islands
and be photographed in attire from the second half of the century.
But they are forever like busts in frock coats and jabots in some monstrous encyclopedia.

Sometimes when the evening aurora paints the roofs in a poor street
and I contemplate the sky, I see in the white clouds
a table wobbling. The waiter whirls with his tray
and they look at me with a burst of laughter
for I still don’t know what it is to die at the hand of man,
they know – they know it well.


                              Polish; trans. Czeslaw Milosz

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s