Ellen Bass – Ode à repetição

Gosto de fazer a mesma caminhada
pela vasta extensão da Woodrow* até o oceano
e na maioria das vezes viro à esquerda em direção ao farol.
O mar é sempre diferente. Em alguns dias oníricos,
ondas que mal ondulam, apenas uma extensa ondulação
sem nenhuma pressa de chegar. Em outros, a rebentação está bêbada,
colidindo contra os rochedos como um acidente de carro.
E quando chego em casa, gosto
dos mesmos pratos empilhados na mesma despensa
e depois desempilhados e empilhados novamente.
E do rododendro, primavera após primavera,
florescendo em seu róseo ritual.
Eu poderia habitar o reino de Coltrane,
a fricção do ar através de sua palheta
enquanto ele dá forma a cada fraseado de Lush Life,
vezes sem conta até eu morrer. Uma vez tive medo
disso, de abrir as cortinas todas as manhãs
apenas para fecha-las novamente a cada noite.
Você pode se desesperar na imutável vila de sua própria vida.
Mas quando acordo para urinar fico grata
pelo banheiro estar em seu lugar de costume, a pia com sua dádiva de água.
Eu olho para a rua, para os halos dos postes de luz
no nevoeiro ou para a lua banhando os carros estacionados.
Quando volto para cama, encontro
a mulher que dorme lá
todas as noites há trinta anos, só que ela não é
a mesma, seu corpo mais nu
em seu envelhecimento, em sua desordem. Embora eu ainda
vá até ela como um pedinte. Uma manhã,
uma de nós se levantará aturdida
sem a outra e abrirá as cortinas.
Lá estará a mesma desordenada sequoia
no quintal do vizinho e as estrelas irrepreensíveis
apagando-se uma a uma ao longo do dia.

Trad.: Nelson Santander

* Woodrow Avenue, uma das vias da cidade de Santa Cruz, Califórnia, onde a poeta reside atualmente.

Ode to Repetition

I like to take the same walk
down the wide expanse of Woodrow to the ocean
and most days I turn left toward the lighthouse.
The sea is always different. Some days dreamy,
waves hardly waves, just a broad undulation
in no hurry to arrive. Other days the surf’s drunk,
crashing into the cliffs like a car wreck.
And when I get home I like
the same dishes stacked in the same cupboards
and then unstacked and then stacked again.
And the rhododendron, spring after spring,
blossoming its pink ceremony.
I could dwell in the kingdom of Coltrane,
the friction of air through his horn
as he forms each syllable of Lush Life
over and over until I die. Once I was afraid
of this, opening the curtains every morning,
only to close them again each night.
You could despair in the fixed town of your own life.
But when I wake up to pee, I’m grateful
the toilet’s in its usual place, the sink with its gift of water.
I look out at the street, the halos of lampposts
in the fog or the moon rinsing the parked cars.
When I get back in bed I find
the woman who’s been sleeping there
each night for thirty years, only she’s not
the same, her body more naked
in its aging, its disorder. Though I still
come to her like a beggar. One morning
one of us will rise bewildered
without the other and open the curtains.
There will be the same shaggy redwood
in the neighbor’s yard and the faultless stars
going out one by one into the day.

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