Alguém só morre em sua data,
que é única, ôntica, enfática.
Nunca depende de quem vai
nem de quem fica ao pé da lápide.
É quando o corpo, enfim, se acaba,
e, se dele a alma se aparta,
não cabe a ninguém afirmá-lo,
nem se a tinha, em vida, o finado.
É quando as lâmpadas se apagam
e trocam-se então os cenários,
as máscaras, as personagens
e tudo o que havia no palco.
Não mais as luzes da ribalta,
nem da plateia o eco das palmas
ou, no teu caso, as duras vaias
pois que pífio foi o espetáculo.
É quando, tudo terminado,
já não te servem as palavras,
e muito menos as metáforas,
algo impróprias aos epitáfios
ou aos prosaicos obituários
em que tua vida é louvada,
não toda, é claro, pois de lado
ficam os crimes e as trapaças.
Até que vem teu centenário.
Frases, fotos, toda uma farta
recordação do que deixaste:
poemas, ensaios, prefácios,
talvez uma obra laureada,
mas de que hoje ninguém mais fala.
Há quem se lembre de um parágrafo,
de um pobre verso desgarrado.
E o resto – teus feitos, as pálidas
mulheres que amaste, as medalhas,
os troféus – se esvai rumo ao nada
ao som das fanfarras da praça.