Manuel António Pina – Relatório

É um mundo pequeno,
habitado por animais pequenos
– a dúvida, a possibilidade da morte –
e iluminado pela luz hesitante de

pequenos astros – o rumor dos livros,
os teus passos subindo as escadas,
o gato brincando na sala
com o último raio de sol da tarde.

Dir-se-ia antes uma casa,
um pouco mais alta que um império
e um pouco mais indecifrável
que a palavra “casa”; não fulge.

Em certas noites, porém,
sai de si e de mim
e fica suspensa lá fora
entre a memória e o remorso de outra vida.

Então, com as luzes apagadas,
ouço vozes chamando,
palavras mortas nunca pronunciadas
e a agonia interminável das coisas acabadas.

Republicação: poema publicado no blog originalmente em 09/05/2018

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