Quando minha mãe morreu,
um dos seus bolos de mel permaneceu no freezer.
Eu não poderia suportar o seu desaparecimento,
então, abandonado, ele esperou
em sua caverna de gelo atrás das bandejas de metal
por mais dois anos.
No meu quadragésimo primeiro aniversário,
retirei-o de lá,
uma ressurreição retangular,
e sopesei o fardo morto na palma da mão.
Antes que ele descongelasse,
eu cortei, com uma faca serrilhada,
a mais fina das fatias —
Eucaristia Judaica.
Os quadrados âmbar
com suas translúcidas vidraças de nozes
tinham — mesmo os queimados — um gosto de freezer,
de gelo,
uma iguaria em passas provinda
de uma delicatessen do submundo.
Eu ansiava por recordar a vida, não a morte —
o corpo imóvel na cama em sua camisola rosa,
e como me deitei no leito raso dos lençóis espalhados
depois que a levaram embora,
inalando o seu perfume uma última vez.
Fecho meus olhos, saboreio um naco do
bolo sagrado com a minha língua
e tento provar minha mãe, discernir
a mensagem que ela assou nestas fatias
quando estava doente demais para comê-las:
Eu te amo.
Isso vai acabar.
Deixo algo de doce
e com substância
na boca do mundo.
Trad.: Nelson Santander
Cold solace
When my mother died,
one of her honey cakes remained in the freezer.
I couldn’t bear to see it vanish,
so it waited, pardoned,
in its ice cave behind the metal trays
for two more years.
On my forty-first birthday
I chipped it out,
a rectangular resurrection,
hefted the dead weight in my palm.
Before it thawed,
I sawed, with serrated knife,
the thinnest of slices —
Jewish Eucharist.
The amber squares
with their translucent panes of walnuts
tasted — even toasted — of freezer,
of frost,
a raisined delicacy delivered up
from a deli in the underworld.
I yearned to recall life, not death —
the still body in her pink nightgown on the bed,
how I lay in the shallow cradle of the scattered sheets
after they took it away,
inhaling her scent one last time.
I close my eyes, savor a wafer of
sacred cake on my tongue and
try to taste my mother, to discern
the message she baked in these loaves
when she was too ill to eat them:
I love you.
It will end.
Leave something of sweetness
and substance
in the mouth of the world.
[…] 3. Anna Belle Kaufman – Frio conforto […]
CurtirCurtir