Sobre o sofrimento jamais se enganaram
os velhos Mestres: eles bem compreenderam
a condição humana, viram como certas
coisas acontecem
enquanto alguém por aí está comendo ou
abrindo a janela
ou apenas caminhando sem pressa.
Sabem que, enquanto os mais velhos es-
tão, reverentemente, apaixo-
nadamente,
à espera
do “birth” miraculoso,
crianças que não se interessaram por isso
não raro estarão patinando
sobre o tanque, à orla dos bosques.
Eles nunca esqueceram
que mesmo o mais terrível martírio deve
seguir seu curso
de qualquer modo, numa esquina, num lu-
gar imundo
aonde vão os cachorros com sua cachorra
vida e o cavalo cansado
esfrega sua inocente anca numa árvore.
No “Icarus” de Brueghel, por exemplo; co-
mo tudo recomeça
lerdamente depois do desastre; o campo-
nês deve ter ouvido o
espirrar d’água na queda
e o grito de socorro.
Mas para ele isso não era uma perda grave;
o sol brilhava
como se tivesse as pernas brancas desa-
parecendo
dentro da
verde
água; o luxuoso navio fidalgo que deve
ter visto algo
espantoso, um menino caindo do céu,
tinha a rota traçada e seguiu navegando
calmamente.
Trad.: Cassiano Ricardo