Uma precoce vida pós-morte
“…um homem sábio, em tempos de paz, deve preparar-se
para a guerra.”
– Horácio
Por que não nos despedimos agora mesmo,
na falácia da saúde perfeita,
antes que o inevitável aconteça?
Poderíamos aperfeiçoar nossa forma de dizer adeus,
como aqueles personagens de A Hora Final1
que se despediram à sombra
da bomba enquanto, jovens e de mãos dadas,
assistíamos ao filme no cinema.
Poderíamos usar as palavras amorosas
que, de outra forma, não teríamos tempo de dizer.
Poderíamos nos abraçar por horas
em um ensaio geral perfeito.
Depois simplesmente continuaríamos,
pelos anos que nos restassem.
Os altos e baixos que estão por vir –
artérias se fechando como rios assoreados
ou células descontroladas nos empurrando rumo à saída –
seriam como posfácios de nossas vidas
e não importariam. E desfrutaríamos
de uma precoce vida pós-morte de dias comuns,
imunes ao clima inclemente
já previsto a longo prazo.
Nada poderia nos atingir. Nunca
teríamos que dizer adeus novamente.
Trad.: Nelson Santander
- “On the Beach” (“A Hora Final”, no Brasil) é um filme de 1959 dirigido por Stanley Kramer, baseado no romance homônimo de Nevil Shute. O enredo se passa em um mundo pós-apocalíptico, após uma guerra nuclear que devastou o hemisfério norte. Os sobreviventes na Austrália aguardam a chegada inevitável da radiação letal. O filme é estrelado por Gregory Peck, Ava Gardner, Fred Astaire e Anthony Perkins. ↩︎
An Early Afterlife
“…a wise man in time of peace, shall make the necessary for war.”
Horácio
Why don’t we say good-bye right now
in the fallacy of perfect health
before whatever is going to happen
happens. We could perfect our parting,
like those characters in On the Beach
who said farewell in the shadow
of the bomb as we sat watching,
young and holding hands at the movies.
We could use the loving words
we otherwise might not have time to say.
We could hold each other for hours
in a quintessential dress rehearsal.
Then we would just continue
for however many years were left.
The ragged things that are coming next –
arteries closing like rivers silting over
or rampant cells stampeding us to the exit –
would be like postscripts to our lives
and wouldn’t matter. And we would bask
in an early afterlife of ordinary days,
impervious to the inclement weather
already in our long-range forecast.
Nothing could touch us. We’d never
have to say good-bye again.