1
“Cristo, terá sido
em vão teu sacri-
fício?
vê, o sangue escorre,
acre, no massacre
das ruas.”
Cristo espalmou a
mão
cobrindo os olhos
horizontalmente
pra não ver
a destruição
do ser
2
“Cristo,
vê os pequeninos
que tanto amaste
agora garotos
nos becos
como ratos dentro
de sapatos
rotos.”
Cristo escondeu,
de novo, a face,
como se chorasse
não querendo
que o vissem
chorar.
Gramática visual
a de Cristo;
“Não ver
é não ser visto.“
3
“Cristo,
ouve a imprecação
que sai da boca
dos famintos,
dos nus,
caídos na sarjeta
fria por onde
ninguém passa
mesmo por graça.”
Cristo se mantém
mudo
cotovelo ossudo
posto
em ângulo agudo
ocultando as rugas
do rosto.
Mudo, dizia tudo
cobrindo o olhar
verde
(Ver – ser cúmplice
Não ver – igual
a não ser visto.
Gramática visual
de Cristo)
4
Como se dissesse:
“Pudesse, arranca-
ria os olhos pelo
vídeo
(como Édipo)
à hora dos robôs
regougando
invadirem a furna-
urna-noturna
prá morte dupla:
(o suicídio/
deicídio)
“Que restará
do ‘amai-vos
uns aos outros’?
Só os laivos nos
lábios
dos que se beijam
hoje
de coração trocado.”
“Desço a persiana
da pálpebra
mas fica incendia-
do em mim o olho
d’alva interior
vendo tudo,”
“Deus e o Homem
comidos pelo fogo
de fulgorídeo
no mesmo ato
exato,
execrando.”
5
Nisto Cristo
parou de falar
vendando o rosto
e a barba
já hirsuta
braço em ângulo
agudo
sobre o olhar
verde.
Já fora do ar.
REPUBLICAÇÃO: poema originalmente publicado na página em 22/02/2016