Domingos Carvalho da Silva – Elegia para os Suicidas do Viaduto

Eles já estavam mortos
no ventre materno.
Para eles
o deflagrar da aurora era já um túmulo.
Fugiam para a morte
presos, embora, à corda umbilical.
Rondava a lua estéril entre ciprestes
E a terra de cardos e açucenas
era a alegria, o trigo, a lepra, a tempestade.
Já estavam mortos quando nasceram
acorrentados ao Código Civil.
Foi-lhes aposto um nome. Para quê?
Já estavam mortos irremediavelmente.
Mortos sem o espasmo celular dos vivos
eram de argila pura, do impluto barro
dos pântanos.
Deviam ir à escola – mortos sempre – e saber
o nome das estátuas, a data das eclipses,
ler no jornal do dia informações já mortas
da véspera remota,
crer na imortalidade,
eles que estavam mortos desde a manhã uterina.
Pensavam por vezes em rumos ferroviários.
Em navios que partem para Constantinopla.
Queriam uma ilha despovoada de deuses,
queriam mulheres nuas, queriam abraçá-las.
Já estavam porém mortos para o sonho e a viagem.
Seu corpo era água fria sem maré nupicial.
Defuntos como árvores, tinham cabelo verde
e pés sulcando a terra e mãos prendendo o sol.
Para eles o suicídio foi apenas um gesto
da gaivota descendo a uma praia de asfalto.
O massacrado corpo apenas cem gramas
perdeu em sangue, impaciência e alma.
Já foram sepultados com os olhos retendo
a última paisagem e o último desdém.
Já voltaram tranquilos à placenta sombria
da terra noiva, filha,
concubina e mãe.
Sobre a campa ainda fresca já despontaram hastes.
A erva já se espalha. O trevo vai florir.
E quando anoite cai silenciosa e profuda
é fácil ver na tumba
o rosto dos suicidas a sorrir.

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