Cassiano Ricardo – Missa de Corpo Presente

O seu corpo tão alvo, o seu corpo presente
é a coisa mais ausente, é uma ilusão
pensar que a rosa ou o fruto já colhidos
ainda soluçam desprendidos da haste.

O seu corpo é já um fruto neutro e frio.
Não obstante jovem, tem a mesma idade
de todos os que morreram antes, ou mesmo
na mais remota origem babilônica.

Todos os mortos tem a mesma idade.
Que me adiante chorar sobre a argila ainda tenra,
que esfriou não faz, senão, apenas um minuto?
Todo cadáver é uma coisa já longínqua.

Embora tenha esfriado apenas há um minuto
é algo que regressou súbita e automaticamente
à noite que existiu antes de Deus.
Todo cadáver é anterior ao sol e a Deus.

Mas por que sofro tanto? Não será justamente
por estar sendo vista, ser um corpo presente
aquela que voltou ao nunca ter nascido
e me deixou ausente, eternamente?

Aquela que voltou à fonte, ao horizonte
de quando antes de tudo e me deixou ausente
para que eu vá matando em mim sua presença
até morrê-la quanto o dia morre a estrela?

Se eu fosse Júpiter me converteria
em chuva de ouro sobre sua imagem.
Se eu fosse Glauco me transformaria
num peixe azul no índico da imemória.

De “João Torto e a Fábula”, nova edição, 1963, Livraria José Olympio Editora

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